Publicado em 27/03/14

Jeremy Irons é um daqueles atores que, assim como James Earl Jones ou Morgan Freeman, são detentores de vozes que valem a pena serem ouvidas. Pode declamar sonetos de amor e mensagens de genocídio com a mesma beleza.

Em Trashed, documentário exibido neste último sábado em uma sessão organizada pelo Colégio, Irons faz uma pesquisa sobre o modo como nós temos “resolvido” o problema do lixo no mundo. Ele parte das consequências dos aterros sanitários nos países pobres, onde eles não são fiscalizados; e nos ricos, onde mesmo os fiscalizados quebram as leis diante da aparente falta de alternativas. Passa então a ver opções como os incineradores e avalia as consequências da dispersão de seus resultados no ambiente ao redor. E termina o panorama pessimista investigando os giros oceanicos, áreas onde as correntes marítimas ficam dando voltas e concentram o lixo jogado pelo mundo todo.

A voz de Jeremy Irons e seu sotaque britânico reforçam a sensação de desespero nos fatos e imagens do documentário. Imagens muitas vezes impossivelmente fortes, inegavelmente chocantes. Mas em nenhum momento gratuitas. Porque a verdade é que, enquanto não formos chocados até o trauma por documentários como este ou como o Uma Verdade Inconveniente de Al Gore, não tomaremos ações significativas para mudar o que vem acontecendo. Eu assisti ao filme e não conseguia tirar da minha cabeça a longa lista de fatos cotidianos, infrações recorrentes que eu cometia, sabendo por alto das consequências que elas sugeriam. Eu continuava tomando água de copos descartáveis, mesmo tendo canecas à disposição no Colégio. Continuava aceitando meus produtos de feira embalados em sacos plásticos. E ainda não tinha feito a lição de casa básica de perguntar e averiguar se o lixo reciclável do meu prédio estava de fato sendo reciclado em vez de ser jogado junto com o resto.

Porém, mais do que tudo, não tirava da minha cabeça uma outra culpa mais inerente e difícil de mudar: a minha culpa como artista. Porque eu estava levando uma vida em prol da criação de experiências estéticas e de ensinar estas experiências aos alunos, mas isso consumia uma quantidade absurda de materiais: papel, tintas feitas de substâncias não-biodegradáveis, telas, solventes, plásticos de todo tipo. E para que? No fim de tudo, qual era o ganho que justificava tudo isso? O documentário me trouxe de volta questões da época de faculdade de Artes: seria possível reciclar esse material? Reciclar uma tela? A tinta seca e inutilizável que restava no final das sessões de pintura? Os tubos de plástico e alumínio das tintas? Pincéis velhos? Seria possível usar tudo isso para fazer mais material de arte?

Por hora, não tenho respostas a isso. Apenas uma vontade enorme de nunca mais comprar outra tela e passar a pintar em papel ou algo reciclado de jornais. Usar as tintas feitas de modo orgânico que eu ensino nas aulas. E varrer a minha casa atrás de todo plástico que possa ser substituído por papel (forros de lixo, sacolas de supermercado, embalagens para guardar alimentos prontos… ).

Trashed mostra exemplos de que reduzir drasticamente esse resultado nocivo é possível. A cidade de São Francisco, conta Irons, tem um programa que reduziu em 75% o lixo gerado na cidade, criando centenas de empregos no processo e economizando milhares de dólares para a cidade. E o passeio pela cidade é guiado por uma mulher, cuja família de três pessoas (e um coelho) conseguiu produzir, no ano passado inteiro, apenas uma sacola plástica cheia de lixo. São exemplos de que, com pesquisa e combatendo a preguiça e os hábitos de uma sociedade de consumo desenfreado e descarte irresponsável, dá sim para termos ambientes bem mais saudáveis e um futuro para nossos filhos.

Vai lá ser traumatizado um pouquinho. Você está precisando e nem sabe disso.​

Pedro Leão – professor de Artes

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