por João E. Regis Lima.
Fico feliz por este trabalho de educação (recuperação) do OLHAR!
Maria Bonomi
No último dia 27 de janeiro, foi feita a inauguração da obra Propulsão, da renomada artista ítalo-brasileira Maria Bonomi, no saguão de entrada da nova torre do Colégio Bandeirantes. O evento foi dirigido, nesta ocasião, à comunidade bandeirantina e deverá repetir-se, em breve, para o público em geral.
A ideia de convidar Maria Bonomi para fazer esta obra para o colégio veio do professor Hubert Alquéres, um dos Diretores do Bandeirantes, ex-professor da casa e ex-Secretário Estadual da Educação. A escolha não poderia ter sido mais acertada. Em seu percurso como artista polivalente reconhecida internacionalmente, Maria Bonomi (Meina, Itália, 1935) atuou em diversos segmentos das artes como cenógrafa, figurinista, gravadora, escultora, muralista, pintora e curadora. Não é difícil identificar, na obra recém-inaugurada, traços e elementos deste percurso da artista, especialmente da gravura e da arte mural, mas também da cenografia e da escultura.
Acima de tudo, a gravura. Apesar de largamente premiada em outras áreas nas quais atuou, Bonomi revolucionou radicalmente tanto a concepção quanto as técnicas ligadas especificamente à gravura, estendendo-as e mesclando-as com procedimentos característicos da escultura e da arte mural. Como as artes do papel em geral, a gravura costumava ser considerada uma arte menor, destinada aos álbuns que deveriam ser guardados em gavetas. Não eram feitas para serem expostas nas paredes, emolduradas em quadros. Maria Bonomi tirou a gravura da gaveta e a emancipou, primeiramente para as paredes, com gravuras gigantescas, e, não satisfeita com isso, para o espaço público em matrizes de concreto ou metal com dimensões monumentais. Transformou a gravura em arte pública. É o que vemos em várias de suas obras espalhadas por São Paulo, como a da fachada lateral do Esporte Clube Sírio, na Av. Indianópolis, a do prédio do Banco Itaú, na esquina da Av. Paulista com a R. Bela Cintra, a do mural de 70 metros (Epopeia Paulista) no metrô Luz, e também na obra Propulsão, do Band, de que estamos tratando aqui: um mural de alumínio, em alto e baixo relevo, de 7,2 x 6,1m de tamanho.
A obra domina toda a parede esquerda do hall de entrada da nova torre da Rua Cubatão. Quando a examinamos, identificamos uma miríade de objetos e elementos pertencentes ao universo da educação, em suas diversas etapas, plantados em relevo sobre o magma de alumínio que domina toda a grandiosa superfície. Mas estes elementos não estão ali estaticamente dispostos, mas em movimento, em turbilhão. O trabalho tem por título Propulsão para sugerir a ideia de educação como propulsão, como energia propulsora que envolve uma série de sistemas de significação povoados por estes múltiplos elementos concretos e imaginários em um movimento de vórtice, de espiral, o que permite leituras da obra para além de interpretações lineares e simplistas. Somente poderia ser lida com didatismo ingênuo se assim fosse abordada. A obra é polissêmica e pode ser lida de trás para frente, de baixo para cima, de cima para baixo, como queiram. Em leitura não linear, os objetos ali gravados vinculados aos primeiros passos do processo educativo fornecem as condições de possibilidade para o que virá depois e, neste sentido, o prefiguram. Reciprocamente, os objetos e elementos posteriores permitem ressignificar aqueles do passado por uma perspectiva futura. A leitura da obra pode dar-se também em movimento de fora para dentro e vice-versa. Ao observar a obra de longe, nota-se uma viva e brilhante textura metálica que espelha o espaço do entorno e o espectador, toda cortada e percorrida por grandes canais retorcidos, resquícios hipertrofiados dos sulcos característicos da gravura, e que podem representar percursos imaginários, relações conceituais, traços de memória, todos tão familiares aos processos educativos. Quando nos aproximamos da parede, começamos a identificar, aqui e ali, uma infinidade de detalhes que remetem ao multiverso que está fixado na obra.
Por cima da grande parede metálica, destacam-se quatro grandes elementos de aço corten, que representam as pessoas em seu processo de aprimoramento, de crescimento, de busca de aprumo por meio da educação. Trata-se, porém, de processo sempre inacabado, daí, novamente, a ideia não linear de vórtice, de turbilhão. O vórtex está na obra e a obra está no vórtex. A obra é vórtex.
Os professores estão extensamente representados no turbilhão inundado pela luz: são elementos prismáticos espalhados por toda a parede. Prisma que remete à multiplicação das luzes, das cores, dos enfoques, das perspectivas, das facetas, dos olhares. Professores prismáticos que ensejam a passagem da monotonia ao pluralismo e à diversidade.
Como vimos, são muitas as possíveis leituras da obra, mas há uma dimensão dela que merece destaque: a dimensão pedagógica e educativa. Propulsão não é apenas uma grande obra de arte, é também uma grande obra educativa. Esta dimensão se fez presente durante o próprio processo criativo, de concepção e elaboração da obra. A disciplina eletiva de 2o ano “Do ateliê aos museus” dedicou-se inteiramente ao acompanhamento e reflexão sobre esta obra durante 2022. Reflexão que envolveu tanto o pensar quanto o fazer. Maria Bonomi acolheu por várias vezes, em seu ateliê e nos galpões onde a obra foi produzida, não somente os alunos desta disciplina, mas também inúmeros professores e profissionais da comunidade bandeirantina que interferiram diretamente na obra, seja com comentários e discussões, seja efetivamente pondo a mão na massa, “plantando” seus nomes ou fazendo outros tipos de registro sobre a argila de onde a obra nasceu. Depois de tanto plantio, não é de se estranhar a profusão de frutos, nas pessoas e nas instituições, que sempre se confundem.
Finalmente, cabe um paralelo entre a ação revolucionária de Maria Bonomi de emancipar a gravura da gaveta, lançando-a para o mundo, e o significado da palavra educar. Educar, pelo latim, significa conduzir para fora. Platão poderia dizer “para fora da caverna”, poderíamos conjecturar “para fora do próprio umbigo”, lançando, não sem preparo, o aluno para a vida.
Fico imaginando o que deverá passar pela cabeça de cada aluno e cada professor que teve o privilégio de participar concretamente da produção desta obra, com a magistral regência de Maria Bonomi, ao identificar nela sua marca pessoal e ao situá-la no turbilhão do multiverso da educação.
Não se trata de uma artista qualquer.
Não se trata de uma escola qualquer.
Trata-se de uma artista relevante para a história da arte em São Paulo, no Brasil e no mundo.
Trata-se de uma escola relevante para a história da educação em São Paulo, no Brasil e para além do Brasil.
E o encontro entre esta artista e esta escola é muito especial.
Estamos vivendo um momento histórico!
Temos muito motivo para comemorar!