No dia 15 de maio de 2012, morreu o escritor mexicano Carlos Fuentes, aos 83 anos de idade. Sua morte repentina surpreendeu a todos, já que o escritor emanava vitalidade e entusiasmo. Além da imprensa mexicana, jornais do mundo inteiro renderam homenagem ao escritor. Veja algumas delas:
“Desaparece uno de los pilares del ‘boom’ latinamericano”. (El País, España)
“Muere Carlos Fuentes, uno de los autores más relevantes de las letras hispanoamericanas”. (El Mercurio, Chile)
“Un escritor no se retira. Siempre hay un proyecto más en la imaginación”. (El Clarín, Argentina)
“Un intelectual extraordinario que cuestionó durante toda su vida a su país”. (ABC, España)
“izquierdista intelectual, quien saltó a la fama internacional a los 30 años con su primera novela (…) su carrera diplomática lo llevó a compartir su vida entre México, París y Londres”. (Le Monde, Francia)
“El novelista Carlos Fuentes no escribió su punto final” (El Colombiano)
“Carlos Fuentes, prolifie and provocative novelist” (The Washington Post)
Os principais jornais brasileiros também anunciaram a morte do escritor mexicano. Dentre as muitas notícias e análises sobre a obra de Carlos Fuentes, está o artigo do jornalista, tradutor e escritor Eric Nepomuceno, do jornal “O Estado de São Paulo”. Leia este belo texto na íntegra.
Elegante na ação e no pensamento
Por ERIC NEPOMUCENO, CRÍTICO, TRADUTOR, ESCRITOR, estadao.com.br, Atualizado: 16/5/2012 3:04
Será preciso – é parte do ritual que se presta a quem se vai – recordar os livros todos, e louvar a grandeza do ofício, e mencionar os prêmios e traduções e honrarias, e recolher elogios entre os sobreviventes. Sim, será preciso cumprir o ritual. Convém saber, para evitar enganos, que no caso de Carlos Fuentes os elogios, mesmo os insinceros, serão justos, mais que justos. Foi um autor de uma obra de imensa importância. Alguns de seus livros – penso em A Região Mais Transparente, em A Morte de Artemio Cruz, em Gringo Viejo, em Terra Nostra – estão entre os que de mais valor foram escritos ao longo das últimas cinco ou seis décadas na América Latina.
Será preciso, também, mencionar sua trajetória de cidadão comprometido com tudo que disse e diz respeito ao seu tempo, à sua terra, a esta América nossa. Mencionar a inteireza com que se manifestou sobre a realidade latino-americana, sobre o peso das ambições do mundo neste nosso continente de contradições e esperanças rotas.
Será preciso, enfim, dizer que mesmo quem discordou dele em tudo ou quase tudo soube, quase sempre, reconhecer e respeitar sua palavra e sua integridade. Discordamos um sem fim de vezes, sem jamais deixar que isso roçasse o afeto, a lealdade, a solidariedade.
Será preciso dizer isso tudo e muito mais. Foi-se embora mais um dos poucos grandes de verdade, não apenas da literatura das Américas, mas dos homens dispostos a dar combate sempre que julgaram ser isso necessário.
De minha parte, digo tudo isso e algo mais. A memória que trago de Carlos Fuentes pouco ou nada mudou desde nosso primeiro encontro, já lá se vão uns bons 20 anos. Carlos Fuentes foi das pessoas mais elegantes que conheci. E digo elegante no sentido mais amplo da palavra – elegante na conduta, no pensamento e na ação. Um homem refinado, amigo dos amigos, capaz de alternar o humor rápido e leve com a indignação em brasa quando se tratava das mazelas vividas pelo México, pela América Latina, pelo ser humano neste mundo enlouquecido dos tempos que nos tocaram viver.
Sua imagem de viajante incansável corresponde à mais pura verdade. Mas muito além e muito mais profundo que um lado supostamente mundano, o que havia nessa peregrinação toda era a aguda curiosidade pelo que é vivido tempos afora, mapas afora. Fuentes era um inquieto, um indócil, contido a muito custo nas aparências de sua elegância. Porque na alma, ninguém jamais conteve – nem ele mesmo – essa inquietação, essa indocilidade. Podia ser frio e racional em suas análises. Jamais, porém, perdeu a capacidade de se indignar.
Passou pela maior brutalidade reservada a um ser humano: enterrar os filhos. Em 1999, perdeu o artista plástico Carlos Rafael aos 25 anos. Seis anos depois, perdeu Natasha aos 29. E continuou em frente, desafiando e enfrentando os tempos. ‘Escrevo com eles ao meu lado’, dizia. O que era uma forma de dizer: escrevo para continuar vivo, continuar lembrando, continuar sendo.
Lembro dele dizendo que deve-se ter medo de escrever. Que escrever não é um ato natural: é dizer que a natureza não basta a si mesma, que precisa de outra realidade, precisa da imaginação. E cabe ao escritor aceitar os riscos demenciais dessa tarefa.
Lembro dele dizendo que é preciso aceitar que somos, na literatura, a continuação do que veio antes. Que não há nada original no mundo. Que o que existe é uma meia dúzia de grandes temas, e que muito mais importante do que contar é como contar. Que o escritor luta para ser dono do tempo – não do tempo do escritor, mas do tempo da escrita.
Lembro dele dizendo, quando Carlos Rafael morreu, que jamais aceitaria aquela perda, mas tampouco se deixaria sufocar pela melancolia. Que era preciso seguir em frente para justificar e honrar a memória do filho.
Foi o que ele, ao lado de Sílvia, fez até o fim. Há poucos dias andou por Buenos Aires. Anunciou novos projetos, falou do livro que havia começado a escrever. Falava do futuro, porque foi nisso – o futuro – que ele acreditou até o fim.
A morte chegou de surpresa, na casa mexicana que foi seu porto mais seguro. Porque se não fosse assim – de surpresa, à traição -, a morte não teria levado Carlos de nós. Se fosse num jogo limpo e aberto, cara a cara, ele teria vencido de novo. E ficado.
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