Para além do Bandeirantes

Publicado em 26/08/11

Por que o diretor-presidente de um dos colégios mais sofisticados de São Paulo precisa entender e debater a educação pública? A resposta dada por ele é simples: para não achar que educação é só o que acontece dentro do Bandeirantes. É com esse ideal que Mauro de Salles Aguiar prepara-se para assumir seu sexto mandato no Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP). “Conhecer” parece ser palavra de ordem do educador.
Formado em administração de empresas pela FGV e pós-graduado no Programa de Gestão Avançada pela Fundação Dom Cabral / INSEAD (Fontainebleau, França), Mauro Aguiar esteve pessoalmente em muitos países da América, Europa e Ásia para entender seus sistemas de educação. Além do Bandeirantes e do CEE, empresta hoje essa experiência como membro ativo do Conselho Consultivo do escritório de Harvard em São Paulo, do CEAL – Conselho de Empresários da América Latina e do Conselho da Associação Alumni. Em entrevista, ele comenta a importância de integrar o CEE e os desafios a serem enfrentados nos próximos três anos.
Site do Band: Qual é a importância de estar mais uma vez num espaço que se pensa e articula a educação publica – o Conselho Estadual de Educação?
Mauro de Salles Aguiar: Tudo que aprendi sobre educação no sentido amplo de nação e grande população, foi no Conselho. Eu tinha uma visão restrita. Na educação dos nossos alunos, respondemos a uma de elite intelectual, estudantes e famílias extremamente motivados. Onde é até mais fácil trabalhar. A visão sistêmica, das dificuldades, do que é transformar o país em uma nação de pessoas educadas, ou seja, a noção dos imensos desafios, eu tive através do Conselho. Uma das razões do sucesso histórico do Bandeirantes é que, diferente das outras escolas, todos os meus antecessores eram pessoas ligadas à sociedade, não ficaram no ambiente restrito da educação e de escola particular. O fundador do Bandeirantes, por exemplo, o professor engenheiro Antônio Carvalho Aguiar foi um empresário industrial importante, além de membro do Conselho da TV Cultura e do Conselho Estadual de Educação.

SB: É um trânsito social e cultural importante?
MSA: Claro, uma visão que nunca ficou restrita apenas à educação. Nós nunca tivemos pessoas que ficaram hermeticamente fechadas, dentro do colégio, sem olhar para fora. Essa é uma tradição do próprio Bandeirantes. O sucessor do engenheiro Antônio Carvalho Aguiar, professor Barifaldi, também teve passagens pelo Conselho Estadual de Educação e sua formação era de professor e advogado. Ele foi um advogado muito importante em São Paulo, poderia ter se dedicado só a isso.
SB: Pensando no sexto mandato que está se iniciando, quais os desafios mais importantes para os próximos três anos?
MSA: O grande desafio que têm a educação pública é melhorar a qualidade. Por exemplo, não dá para ser indiferente às faltas dos professores da rede pública. Se você conversar com os alunos do Ismart (programa de bolsas da Fundação Ismart, do qual o Bandeirantes participa), normalmente esse é o primeiro ponto que eles colocam como diferença entre o ensino público e privado. Primeiro que existe o professor, segundo que o professor tem interesse no aprendizado dele e, além disso, tem carinho por ele. Eu acho que na educação pública perdeu esse sentido de ética. Não existe nem razão de continuar mais três anos no Conselho, se eu não continuar levantando essa bandeira. A segunda bandeira que vou carregar é algo que eu acredito muito, que é a Educação Infantil. Acho que estamos no caminho certo, mas há um papel pouco comum da Justiça nessa área. Quero dizer, liminares que obrigam prefeituras municipais a manterem a criança trezentos e sessenta e cinco dias por ano na creche ou escola. O Estado está assumindo situações que os especialistas dizem não serem corretas. A criança precisa de família, férias, interrupção de rotina. É um absurdo você achar que toda criança, mesmo de segmentos pobres da população, precisa de doze meses de escola. Isso não é bom para criança.
SB: É uma super-escolarização muitas vezes?
MSA: Sim. As crianças precisam interromper a rotina, brincar nas suas casas, ficar perto do pai e da mãe. Especialistas e diretores de creches sabem disso. Na cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, há uma Educação Infantil de primeiro mundo, por exemplo, que funciona muito bem. Em outras palavras, a interferência da Justiça sem ouvir o especialista é um absurdo. Se há uma única mãe que precisa, a creche tem que estar aberta para ela, segundo essas liminares. Acredito que você possa ter um meio termo, até para dimensionar o número de funcionários necessários. Acho interessante que a creche simplesmente não feche; mas você não precisa ter toda equipe à disposição por conta de uma liminar, por exemplo.

SB: Uma visão meramente jurídica, não é?
MSA: Tem predominado um olhar que não enxerga a dinâmica social e as limitações. Um exemplo aqui na periferia de São Paulo: nessas regiões de mananciais você não pode construir, de maneira alguma, edificações. Mas, ao mesmo tempo, não se tomou nenhuma outra providência para flexibilizar isso. Foi criada uma legislação muito idealista. O melhor seria exatamente o oposto: permitir a construção de edifícios controlados e regulamentados, caríssimos, que é o que você encontra à beira de represas no mundo inteiro. Mas a lei diz que não se pode construir de jeito nenhum! Resultado: vieram as ocupações ilegais. Como é que vão se criar escolas para esse pessoal? O Governo vai descumprir a lei e vai construir?
SB: Enquanto personalidade da educação na America Latina, sua opinião é escutada para as questões mais diversas. Na mídia, nos últimos meses, o Sr. se posicionou muita vezes contrário à postura da Secretaria Estadual. Como o Sr. enxerga essa recondução ao Conselho, que, por um lado, mostra o aspecto plural que ele parece valorizar.
MSA: Fui nomeado pelo Governador, por indicação do Secretário Herman Voorwald. Então eu achei que foi uma demonstração de grandeza que me causa a melhor das impressões. Ele é realmente um homem que acredita na democracia, no debate de ideias, é corajoso e não rancoroso. Digo isso porque eu fiz críticas muito sérias, por conta da tolerância com as entidades sindicais. Não que o professor não mereça o melhor; aqui no Bandeirantes a gente acredita que o professor merece tudo de melhor. Mas eu acho que essas entidades não estão nem aí com a razão de ser da educação e da própria escola, que é o aluno. Não há razão de existir professor e escola, se não tiver aluno. O aluno é o motivo de tudo. Eu bati de frente com a linha atual do Governo mas, mesmo assim o Secretário teve coragem, demonstração de dignidade, grandeza de espírito e desprendimento. Foi muito interessante e eu estou muito motivado. A composição atual do conselho é simplesmente espetacular. Pessoas como Guiomar Namo de Melo, Rose Neubauer, João Grandino Rodas, Maria Helena Guimarães, Maria Lúcia Vasconcellos e Hubert Alqueres, estão todas lá. O Hubert Alqueres, vice-presidente do Bandeirantes, foi responsável por grandes mudanças como presidente do Conselho. Até a entrada dele, tinha aquele glamour de ser o Colégio Caetano de Campos e tal, mas era ainda muito distante dos princípios do tempo em que o prédio foi escola. Tratava-se um belo prédio, mas era burocrático. Foi ele quem trouxe fotos das escolas, de alunos, além de obras de arte. Hoje o Conselho tem cara e princípios de educação mesmo – e uma gestão desburocratizada e ligada aos fins.
SB: Para se trabalhar com educação é preciso mais do que vocação, talvez um “senso de propósito”. Como o Sr. define isso?
MSA: Humanismo talvez seja a palavra. É uma vontade de ajudar mesmo. O programa Ismart me motivou a participar novamente do Conselho. Antes, eu conhecia os problemas estatísticos. Isso foi o início da sensibilização para a questão da educação pública. Mas quando você vê esses meninos e meninas do Ismart na conversa que eles têm com os professores e orientadores, em que eles respondem o que mudou nas perspectivas de vida, qual é o impacto da educação… aí você tem vontade de chorar. Você percebe o nível de talento que tem ali e que muito provavelmente iria perecer naquele ambiente da escola pública. Uma árvore que seria frondosa e que não iria dar nada. E agora tem chances, graças a uma educação de qualidade.

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