Química e Arte

Publicado em 11/08/14

O papel do químico na área de restauração e conservação do patrimônio cultural.

A associação entre química e arte pode parecer um pouco inusitada se considerada sob o olhar do homem contemporâneo. Com os rumos tomados pelas ciências nos séculos XIX e XX, a química foi incorporada no conjunto das ciências exatas com a percepção de que tenha pouco ou nada a ver com a arte, a qual seria ligada exclusivamente à imaginação e à criatividade – como se a criação artística e o raciocínio exato fossem habilidades humanas incompatíveis entre si. Mas, pensando bem, percebemos que esta separação estabelecida no imaginário coletivo nem sempre correspondeu à realidade, já que no passado era normal os artistas, pensadores e filósofos transitarem com desenvoltura tanto pelas atividades “exatas” (engenharia, alquimia, astronomia) como pelas chamadas belas artes. Um exemplo emblemático é o do Leonardo da Vinci, a quem o simples atributo de engenheiro ou de pintor ficaria muito limitado visto o grande número de obras artísticas e técnicas deixadas por ele como legado, na prática ou no papel.

É impensável supor que os pintores não precisem saber misturar os pigmentos inorgânicos com os ligantes, nem que possam se dar ao luxo de desconhecer e saber ajustar o processo de secagem dos diversos óleos naturais (ou sintéticos) e das resinas usadas como vernizes. Criar obras de arte requer matéria e a capacidade de usá-la a serviço da criatividade. Aliás, pesquisas com algumas das técnicas mais modernas de análise estão revelando a habilidade singular de alguns pintores do passado no domínio da arte de fabricar e manusear as tintas partindo dos mais diversos tipos de substratos visando criar os efeitos plásticos desejados.

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Saber se aprofundar nas propriedades da matéria e entender como controlá-las é importante até mesmo no caso das formas menos palpáveis de arte, como a música. Que a química tenha um papel fundamental na evolução das artes plásticas é, em suma, algo que dificilmente pode ser questionado: sirva ainda como último exemplo a revolução representada pelo surgimento dos polímeros sintéticos. Não somente essa inovação abriu as portas para a introdução de inúmeros novos materiais plásticos e técnicas de pintura (por exemplo, o acrílico) sem os quais não existiria boa parte da arte contemporânea, como a química estimulou um maior aproveitamento de polímeros naturais, proteínas e fibras vegetais.

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Um aspecto que cabe frisar sobre as relações entre a química e os bens culturais é a contribuição desta ciência no processo de restauração e preservação de obras de arte. Trata-se de uma nova área específica de atuação que vem crescendo, ganhando cada vez mais reconhecimento e oferecendo oportunidades de inserção para os profissionais da química.

Atualmente existe uma clara distinção entre restauração, quando se tenta reverter um processo de degradação, e preservação, em que se busca evitar o dano com medidas preventivas. Nesse contexto, é importante mencionar a nova tendência voltada para estudar o efeito dos poluentes atmosféricos nas obras de arte. Os poluentes podem penetrar nos museus vindos do ar externo ou ainda ser gerados diretamente dentro dos espaços de conservação, por exemplo, emitidos pelos materiais de construção ou por produtos de limpeza. O químico não somente é o profissional mais preparado para detectar a presença destas substâncias no ar, como também para prever e estudar seus efeitos nos diversos tipos de materiais, como tintas, metais, papel, madeira, fibras naturais e artificiais, e ainda propor soluções para evitar a degradação das obras de arte.

Os químicos podem atuar na caracterização dos materiais: a composição de uma liga pode ter papel fundamental no risco de corrosão de um objeto metálico; pigmentos distintos respondem de formas variadas aos estímulos externos; a restauração de um quadro pode requerer a identificação das tintas originais utilizadas ou, ainda, o esclarecimento da paleta de uma pintura (conjunto dos pigmentos originais utilizados pelo artista) que é certamente uma ferramenta importante para melhorar o conhecimento da origem e da trajetória de uma determinada obra

Uma área de pesquisa e desenvolvimento particularmente forte, inclusive na Europa e na América Latina, são os estudos de arqueologia, etnografia e arte rupestre em que a análise de peças produzidas por populações indígenas tem um significado particular. Aqui, a contribuição do químico em entender a composição dos materiais e os processos ocorridos com eles ao longo do tempo pode ajudar a desvendar aspectos culturais, religiosos e antropológicos.

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O profissional para este tipo de atuação precisa ter uma sólida formação e profundos conhecimentos de química (química orgânica e inorgânica, química analítica, técnicas instrumentais, espectroscopia e fotoquímica), mas necessita também desenvolver outras habilidades, como a capacidade de interagir e dialogar com profissionais com outras formações para extrair elementos para a interpretação de seus dados e o interesse em lidar com pessoas e instituições, inclusive de outros países.

( http://www.crq4.org.br/quimicaviva_quimicaearte Acesso em 31.07.2014. Adaptado)

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