Façamos de conta que hoje é uma típica segunda-feira de 2009: “bom dia, 3B1”; “bom dia, 3B5”; “boa tarde, 3B4”; “boa tarde, 3B2”; ou é uma terça-feira: “bom dia, 3B3”!! O “faz-de-conta” é parte de nossa vida desde muito pequenos: os pais fazem de conta que a colher de papinha é um aviãozinho ou que o filho é um príncipe, a criança faz de conta que é um caminhoneiro, um médico, um super-herói ou uma professora. E muitas vezes, quando nos damos conta, já somos aquilo que imaginamos!
Pode decorrer do faz de conta a ideia de que “tudo na vida é um jogo” e alguns levam isso tão a sério que se tornam viciados, dependentes da eterna estratégia, do vencer a todo custo, do jogo sujo. Mas outros se aproveitam da parte saudável do jogo, o lado lúdico. É assim que uma professorinha – o diminutivo é porque ela é pequena mesmo! – inicia a aula dizendo: “Vamos fazer de conta que o mundo da Gramática, da Língua Portuguesa é o mais legal dos vídeo-games de todos os tempos!!” É claro que, em geral, os alunos não acreditam nessa possibilidade, têm medo ou até repudiam a brincadeira, mas a persistência dessa baixinha é gigante!
Quando menos esperam, já estão na primeira fase do jogo, enfrentando todos os obstáculos – a análise sintática, a voz passiva, a regência; destruindo inimigos – a concordância verbal, a colocação pronominal; estabelecendo conexões com outras áreas do conhecimento (“não consigo raciocinar porque estou desidratado, posso ir beber água?”); fazendo parcerias com sujeitos indeterminados, participando de convenções morfológicas ou semânticas, ganhando bônus e vidinhas com os verbos, caçando o gerundismo de “eu vô tá entrando em contato”. É verdade que às vezes perdem muitas vidinhas de bobeira, voltam ao início do jogo, ou ficam sem jogar por uma rodada: “O que é sintaxe, mesmo, hein, psora?”, “Como se conjuga o verbo ‘for’?” Ultrapassamos sucessivos níveis, o jogo vai ficando mais difícil, o encontro com o chefão está cada vez mais próximo… Está chegando a semana de provas! Temos ansiedade, medo de perder, mas ao mesmo tempo não percebemos que já agregamos e assimilamos muitos recursos, se escorregarmos aqui ou ali, já saberemos como voltar mais fácil e rapidamente. O risco faz parte, mas pode ser superado.
No decorrer da brincadeira, percebemos que todos queremos chegar ao final, não importa o quanto demore, pois cada um tem seu ritmo e alguns descobrem o prazer de buscar o que vale mais pontos… Vale mais pontos acordar cedo – bem cedo – e enfrentar o carro, o fretado ou o metrô; vale mais pontos ficar mais de 40 horas estudando – só na escola! (fora em casa); vale mais pontos ter de, às vezes, recusar o convite para uma festa e terminar um trabalho para entregar na segunda-feira; vale mais pontos fazer parte de um super-puxado-colégio, com trocentas mil aulas, tarefas, regras, criaturas que ora falam de tudo, ora não param de falar, ora sabem tudo, ora não entendem mais nada de nada e que, ironicamente, fica no Paraíso – “Ô, inferno!”. Vale mais pontos dizer “isso eu não sei, vou anotar na minha agenda, pesquisar e depois respondo” e, diante da carinha perplexa ou indignada de 16, 17 anos – “Como assim, você não sabe?” – , completar “então, meu amor, estamos a vida toda aprendendo sempre!!” Vale mais pontos saber que “sabe, prozinha, minha amiga é igualzinha a você quando fica brava!!” Vale mais pontos, naquele dia em que não se acorda bem, ou que os problemas nos parecem insolúveis, ouvir da aluna: “Você é muito engraçada!” Pergunto se isso significa que eu sou palhaça, mas vem a negativa: “Não, professora, é que você deixa todo mundo feliz, a gente consegue até se divertir com a Gramática a essa hora da manhã!”.
Vale mais pontos chegar ao dia de hoje e dizer a todos vocês “parabéns”, conseguimos, completamos o jogo. Mas vocês já iniciaram outro, uma versão bem mais avançada e agora seguem sozinhos, porém é só lembrar do básico de qualquer jogo: conhecer bem as regras e respeitá-las ou, se for o caso, brigar para melhorá-las, prestar atenção aos obstáculos, estudar as adversidades para superá-las e, principalmente, não esquecer que a vitória é simples consequência de uma competição honesta e, por que não, prazerosa. Não estarei mais junto a vocês, tenho outros para serem iniciados no jogo, mas podem fazer de conta que continuo dizendo “Ah, eu não acredito que já acabou a aula! Bom fim de semana, até segunda e não sofram tanto com a nossa distância, vamos superar e nos reencontrar!!”