Eu, heterônimo
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico me vejo só um bocado de mim (…)
Álvaro de Campos
Leem meus versos por toda Lisboa
Por todo canto falam meu nome
Aos quatro ventos os gritos ecoam
“És gênio! És gênio! És mais do que humano!”
Inquieta, minha alma, pequena que é,
foge dos gritos, se esconde da luz.
Que vale ser gênio
e louco também?
Que mérito tenho
eu do que escrevo –
se não sou eu, mas partes de mim?
Minha é a mão que segura a pena
O resto é trabalho de mentes alheias,
de outros que habitam dentro de mim.
Sou metonímia incompleta
A parte pelo todo.
Mas o todo em mim é nada
As partes pelo nada.
Quisera eu tomar um comboio
e partir de Lisboa
para uma aldeia qualquer,
além do Tejo ou além do Bojador.
Partir de meus conhecidos,
e dos meus Eu desconhecidos,
e deixá-los para trás.
Mas o rio de uma aldeia qualquer
é tão grande quanto o Tejo.
E meu Eu lá seria o mesmo.
Seria, ainda, vários.
Seria, ainda, nada.
Quisera eu não ter nascido
heterônimo de meus heterônimos,
nascido uma colcha de retalhos
mal remendados,
nascido vários em um,
nascido Frankestein.