Nenhum país do mundo alcançou o crescimento sustentado sem construir um amplo pacto para alavancar a qualidade da Educação. E em nenhum lugar a Educação deu o salto necessário em clima de guerra ideológica, caça às bruxas, denuncismo, estigmatização de professores ou falta absoluta de diretrizes; traços marcantes desses cinco meses do governo Bolsonaro na área educacional.
Nesse curto espaço de tempo, o MEC foi palco de uma guerra intestina entre alas do bolsonarismo. No seu interior instalou-se uma dança de cadeiras, responsável por dezenas de demissões nos principais escalões do Ministério.
Aquilo que educadores de diversas colorações temiam de fato aconteceu. O ministro Abraham Weintraub está causando mais danos do que o seu antecessor Ricardo Vélez Rodriguez, tal tem sido sua obstinação em levar até as últimas consequências a guerra contra o “marxismo cultural”.
Questões que poderiam ser enfrentadas de maneira racional, como o contingenciamento de verbas em decorrência da queda da arrecadação, as deficiências do sistema de ensino federal, ou a prioridade do ensino básico (de resto defendida pela ampla maioria dos educadores), foram ideologizadas pelo ministro em um ambiente punitivo.
Como disse o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, “a sociedade foi para as ruas tratar da Educação porque o ministro assumiu o ministério falando ‘vou cortar 30% da universidade A, B e C”. De fato, as declarações de Weintraub de que puniria as universidades que fossem palco de ”balbúrdia” incendiaram a pradaria. Da mesma maneira, suas afirmações contra o ensino de ciências humanas colocaram mais lenha na fogueira.
Reconheça-se, Weintraub conseguiu a proeza de levar às ruas estudantes, professores, funcionários e pais de alunos. Não para reclamar por salários, mas em defesa da Educação, algo raro em nossa história de reinvidicações quase sempre corporativistas. E na esteira fez ressurgir a UNE, entidade esvaziada desde seu aparelhamento por forças de esquerda.
Sua resposta às manifestações foi criticada amplamente, desagradando até mesmo a setores moderados do governo. Sem apresentar provas, acusou, irresponsavelmente, professores de fazer proselitismo em salas de aula em favor dos atos públicos. Como se não bastasse, o MEC divulgou uma nota oficial que transformou o denuncismo em política oficial de Estado, prática abjeta usada e larga escala na Revolução Cultural da China, também adotada na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stalin.
Ninguém é ingênuo. Há sempre quem queira se apropriar de manifestações legítimas da sociedade. Que o diga a presidente do PT, Gleisi Hoffman, ávida por enfiar de contrabando nos atos em defesa da Educação a bandeira do “Lula Livre”. Mas este tipo de oportunismo também aconteceu nas manifestações pró-governo, onde uma minoria adotou palavras de ordem antidemocráticas. Tanto em um caso como no outro, os desvios não tiraram a legitimidade das ruas.
Falta ao ministro respeito à liturgia do cargo. Convocado pela Câmara, ofendeu deputados ao insinuar que eles nunca trabalharam na vida. No dia da segunda manifestação, divulgou um vídeo patético, onde aparece dançando com um guarda-chuva, como se fosse o Gene Kelly em “Dançando na Chuva”. O propósito do vídeo foi transferir responsabilidades sobre o desleixo com o Museu Nacional.
Difícil crer que o atual titular da pasta, por falta de serenidade e de liderança, leve a bom termo a missão que até agora tem relegado a segundo plano.
No final do ano termina a validade do Fundeb, instrumento fundamental para o financiamento da Educação. Sua renovação exigirá muita negociação entre os entes federativos e os gestores da área educacional. Se esse processo não for bem conduzido, retroagiremos a antes de 1996, quando o ministro Paulo Renato Souza criou o Fundo.
Weintraub já deu provas soberbas de que não é apenas o homem errado no lugar errado. É uma persona non grata por ser o grande obstáculo ao que a Educação mais precisa atualmente: paz.
Este artigo foi publicado originalmente no site da revista Veja em 05 de junho de 2019:
https://veja.abril.com.br/blog/noblat/a-educacao-precisa-de-paz/
Hubert Alquéres é Presidente do Conselho Estadual de Educação SP, membro da Câmara Brasileira do Livro e da Academia Paulista de Educação. Foi professor na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes, onde hoje é Diretor.