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Às seis horas da manhã toca o despertador… – Fantasia, 8E

Publicado em 20/03/2019 08:30

Às seis horas da manhã toca o despertador. TRIM! TRIM! TRIM! Não precisava nem perguntar. Já sabia que Marina iria responder que era um costume brasileiro. Como esses caras madrugam!

Fomos até o colégio indicado pela chefe da agência de espionagem. O Brasil é um país bem quente, diferente do Canadá, a minha pátria.

 

A segunda aula da turma 8.4, 8 de oitavo e quatro de turma D (descobri que se usam números para separar as turmas nessa escola) era educação física. Eu não fazia ideia de como ia falar português com os alunos. Eu falei, em inglês, com a coordenação que me disse para explicar que eu não sabia falar a língua deles. Lá, me disseram “Será uma ótima oportunidade para eles praticarem o inglês nesse fim de ano”.

Estranho. Pelo que eu me lembro o ano escolar começa em agosto. Ah! Já sei. Deve ser outro costume do Brasil.

Já na quadra eu me apresentei e disse meu nome (Juliette). Começaram as risadinhas.

— O que foi? Só porque eu tenho um nome diferente vocês vão rir?

— Paguem vinte.

— Como assim, professora? O que significa pagar vinte? Temos que te pagar vinte reais?

— Não. Vocês têm que pagar vinte flexões.

— Aaaaah… Fala sério profe. Eu não vou fazer isso.

— Onde já se viu tamanho desrespeito. Vai pagar quarenta.

— Hahahahahahahahahaha…

— Quem rir paga oitenta.

De repente não se ouvia um “piu” dos alunos. Todos faziam flexões conforme pedido. Alguns minutos depois, queriam brincar de burn it, ou algo assim. Eu devo ter ficado com uma cara de confusão porque uma aluna japonesinha de óculos, provavelmente melhor no inglês, veio e me disse baixinho:

— O que eles querem dizer é dodgeball.

— Merci beaucoup… digo… muito obrigada. — eu agradeci.

A garotinha voltou para perto de Clara e de uma outra garota baixinha. Brincaram de dodgeball até o sinal bater. Marina, que nunca tinha brincado de dodgeball, descobriu ser muito boa no jogo. Acho que vou incluir esse jogo no currículo da Academia de Espionagem.

Corri para o banheiro e coloquei minha roupa de inspetora. Eu “era” a perita em educação que ia assistir às aulas durante a semana. Óbvio era só um disfarce. Era aula de artes com a professora Rosimeire. E os alunos ficavam rindo do MEU nome…

Durante a aula, eu e a professora conversamos muito. Quando eu perguntei sobre a Clara ela logo apontou para a mesa onde a garota estava sentada com suas duas amigas:

— Está vendo como é responsável. Ela é uma ótima aluna, não nego.

Bateu o sinal novamente. Fui conduzida por cinco alunas muito simpáticas que se apresentaram: Maria Carolina, Fernanda, Sophia, Maria e Paola. Chegamos na sala onde pegaram suas lancheiras e foram ao recreio.

Depois do intervalo, a professora Giulia, de história, esperava. Ela parecia ter uns vinte anos, como eu.

Nos últimos dez minutos de aula, ela deu comandos aos alunos que, pelo que eu entendi, eram exercícios. Eu fiz aulas de espanhol então entendia parcialmente o que os brasileiros diziam.

A educadora veio conversar comigo. Me fez algumas perguntas como: de que país eu vim e que faculdade eu fiz. Eu respondi:

— Eu vim do Canadá, mas vivi minha vida toda nos EUA. Fiz faculdade de psicologia na International Hellenic University, Grécia. Vocês estão aprendendo sobre cosmologia grega, como posso ver, certo?

— Como sabe? Disse que não falava português.

— Mas falo espanhol e não é difícil reconhecer Zeus.

A mulher tirou duas latas de alguma coisa similar a refrigerante.

— Quer um? — ela gentilmente ofereceu.

— O que é? — eu perguntei.

— Cold tea. Você deve conhecer.

— Que pena. Seu chá esfriou. Não faz mal, eu ainda sim aceito.

— Meu chá esfriou? Não, não. É um chá que vem gelado de fábrica. Achei que isso existisse no Canadá.

— Ah… Você quis dizer iced tea não cold tea.

— Isso, isso… — disse ela envergonhada. Já percebi que brasileiros não falam inglês com excelência, digamos. Mas até falam bem, sem sotaque. Ninguém merece ter que entender indianos falado inglês, argh.

Próxima aula. Português com a professora Dandara. Aparentava ter uns trinta anos e pela cara dos alunos era muito legal. Colocou sua bolsa de lã em cima da mesa e disse com voz baixinha:

— Esqueci meu microfone e estou com dor de garganta. Por favor peço a colaboração de todos. — pelo menos foi isso que ela me disse.

Os alunos se apresentavam tão quietos e atentos que podia se ouvir a voz deles perfeitamente.

Acho que ela pediu para ver a lição porque muitos colocaram o caderno sobre a mesa mas alguns fizeram uma cara como quem diz “Droga”.

Ao longo da correção os alunos liam suas respostas e a educadora fazia brincadeiras, eu acho, porque os estudantes riam às vezes.

A mulher liberou as crianças mais cedo, o que nos deu a chance de conversar alguns minutos. Era uma moça muito gentil que respondeu todas as perguntas com muita educação. Ela, sim, sabia falar em inglês bem.

A última aula era de matemática com a professora Sabrina. Subimos para a sala de informática para jogar em um site de jogos envolvendo matemática. Acho que o nome era Mathity ou alguma coisa do gênero.

Descemos até o andar térreo, que segundo a garota Maria Carolina chamavam de galeria, onde eu encontrei Marina e saímos pelo portão. A menina chamada Paola perguntou:

— Juliette — esse era meu nome de perita —, porque está dando carona para a aluna nova?

Em minha cabeça eu pensava: “Que desrespeito. Me chama pelo meu ‘primeiro nome’ como se eu fosse sua amiguinha e ainda fica perguntando da minha vida. Pelo menos perguntou em inglês.”

— É porque ela é minha sobrinha e a mãe dela mora lá na França, nosso país de origem, então eu estou tomando conta dela. Nós só vamos ficar aqui três semanas.

— Ok… Então tchau e até mais.

 

 

Chegamos ao hotel onde Marina me contou tudo sobre seu dia. Disse que Clara, a japonesinha e a outra amiga eram muito gentis. Elas a convidaram para passar o recreio juntas e a apresentaram a escola, mas ficaram mais na biblioteca. A japonesa, que aliás se chamava Lisa, havia levado bolinhos de arroz que chamou de oniguiri. A outra amiga, Bianca, explicou que Lisa levava muitos deles só para dividir. Que fofa!

Nossa espiã mirim disse que as tinha convidado para ir ao shopping sozinhas com ela, mas as duas fizeram uma cara estranha e disseram que as mães delas nunca deixariam isso antes dos quinze ou dezesseis anos idade. Vou contar a verdade, esse pessoal é muito esquisito. Ela disse que Clara a convidou para uma festa do pijama no próximo fim de semana. Como uma boa amiga, Marina aceitou.

 

*A imagem deste post é de Dariusz Sankowski e está disponível para download no Pixabay

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