Abaixo, vocês poderão ler quatro textos muito bem escritos, a respeito do tema “Formação educacional dos surdos no Brasil” (Enem 2017).
Inclusão educacional de surdos: cidadania na escola
Sophia B. Costa
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um indivíduo ter cidadania plena implica os direitos à educação e à inclusão social, independentemente de quaisquer deficiências, como a surdez. Por isso, é dever dos países signatários de tal documento — a exemplo do Brasil — garantir as condições necessárias para o cumprimento de tais aspectos. Dessa maneira, por meio de uma educação inclusiva, todos — em especial, os surdos — atingirão a plenitude de sua cidadania.
Porém, nota-se que o Estado brasileiro tem sido incapaz de propiciar a educação inclusiva aos deficientes auditivos. Isso é comprovado por dados do INEP segundo os quais, de 2011 a 2016, tem caído o número de matrículas de tais indivíduos na educação básica. Consequentemente, os não deficientes não conviverão com portadores de necessidades especiais. Logo, qualquer deficiência será considerada redutora da capacidade individual, configurando preconceitos que associam a surdez à falta de inteligência, por exemplo. Tais estereótipos impossibilitam a plena inserção do surdo na vida cotidiana e no mercado de trabalho. Assim, há a recusa da cidadania integral a essa pessoa, além da manutenção das ideias pré-concebidas que impossibilitam a subversão dessa situação.
Ademais, diante da falta de infraestrutura das escolas públicas, é comum a sugestão da migração dos alunos deficientes auditivos para centros especializados, onde encontrariam métodos de ensino adequados às suas necessidades. Afinal, o surdo fala a Libras como primeira língua, e nem sempre escolas públicas possuem professores ou intérpretes capacitados para usá-la. Porém, tal transferência manteria a segregação fomentadora dos preconceitos contra deficientes auditivos e sua exclusão. Já nas escolas regulares, o aluno incluído entra em contato com outras realidades, ampliando seu desenvolvimento, em vez de restringir a sua liberdade. Aliás, a garantia desta última — um direito universal — significa, para o contratualista Rawls, assegurar ao indivíduo o pleno exercício das suas faculdades.
Portanto, para superar os desafios da formação educacional de surdos, o governo deve investir mais recursos nas escolas públicas. Tais verbas serão direcionadas para oferecer intérpretes às turmas com alunos inclusos. Também, serão empregadas para melhorar a formação do professor, tanto em Libras quanto em métodos de ensino inclusivo. Assim, gradualmente, estruturar-se-á um Brasil livre de preconceitos contra o deficiente auditivo. Este, se verdadeiramente incluso na sociedade, terá cidadania plena e condições para desenvolver suas potencialidades totalmente.
O que o ouvido não ouve, o coração sente
Livia Barcessat Lewinski
A situação atual de inserção dos surdos na educação básica brasileira é de grande conturbação: desde 2012, as matrículas de surdos na educação básica vêm sofrendo gradativo declínio. Trata-se de vestígios de uma sociedade excludente, que carece de transformações.
Conforme o célebre estudioso Émile Durkheim, a sociedade funciona como um organismo biológico e, para o seu bom funcionamento, todos os seus componentes devem estar em harmonia, de modo a garantir o bem-estar geral. Concomitantemente, a lei número 13146, que assegura a educação de qualidade um sistema educacional inclusivo à pessoa com deficiência, não vem sendo devidamente cumprida, configurando-se como uma problemática legislativa e uma situação atual muito distante do bem-estar geral pensado por Durkheim – visto que a sociedade não está em harmonia com os surdos.
Trata-se de 40 milhões de deficientes auditivos no total – uma população expressiva – que têm os seus direitos básicos negligenciados pelo governo. Devido à falta de investimentos em políticas públicas inclusivas, são, diariamente, injustiçados pelo estigma enraizado de surdos como inválidos.
Além de terem suas imagens denegridas pelo senso comum – fruto de uma estereotipação falaciosa – os surdos são novamente postos às margens da sociedade no âmbito profissional: no panorama capacitista vigente, muitas vezes, são julgados incapazes de exercerem funções e, pelo fato de não ouvirem, deixam de ser contratados para empregos. Os surdos são capazes de exercer qualquer função, exceto as que exigem habilidade auditiva.
Portanto, o primeiro passo para a aceitação desse fato e a desmitificação de demais preconceitos deve ser dado logo na infância. A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a segunda língua oficial do Brasil. Assim, deve ser universalizada como empreendimento educacional do governo em todas as escolas como língua obrigatória, de modo a reverter o cenário de evasão escolar dos surdos e alimentar o respeito às diferenças nas crianças, para que futuramente se tornem cidadãos mais empáticos. A efetiva adoção da iniciativa por educadores e gestores é imprescindível e aproximará mais da realidade a sociedade idealizada por Durkheim.
Desafios para a formação educacional dos surdos no Brasil
Juliana Choi
A educação, de acordo com a Constituição, é um direito de todos os indivíduos, independente da idade, etnia ou da deficiência que a pessoa possa ter. Todavia, é impossível negar que o Brasil apresenta dificuldade em prover a formação educacional de maneira eficiente a minorias como a dos surdos.
Um dos grandes elementos que mostram a realidade atual brasileira em relação à educação dos surdos é a diminuição significativa do número de matrículas desses indivíduos em instituições de ensino básico, que caiu de 27 para 22 milhares em classes comuns, de acordo com uma pesquisa feita pelo Inep. Tal fenômeno possui diversas justificativas, entre elas a falta de intérpretes preparados no Ensino Básico que possibilitariam o aprendizado qualificado do surdo e impediriam a desistência desses alunos motivada pela falta de inclusão no ambiente escolar.
Ademais, embora haja leis que reiterem a necessidade de profissionais competentes familiarizados com a Libras (Língua Brasileira dos Sinais), como a promulgada em 2005, segundo a qual professores devem aprender essa língua durante sua formação acadêmica, carece-se de condição e comprometimento dos indivíduos para atender a tal disposição legal definida. Além disso, a falta de fiscalização permite que essas pessoas saiam impunes, prejudicando principalmente os surdos.
Desta forma, os deficientes acabam por ser caracterizados como incapazes ou incompetentes, quando, na realidade, a culpa é do indivíduo que não cumpre seu papel como educador qualificado. Consequentemente, surge um preconceito que relaciona o surdo à incapacidade intelectual, o que só dificulta a inclusão dessa minoria nas instituições de ensino.
Portanto, seria interessante o Sistema Legislativo aprovar uma lei que disponha Libras como um aprendizado obrigatório no Ensino Básico. Dessa maneira, a inclusão se daria desde o início da vida acadêmica, com a comunicação dos surdos com seus colegas de classe e professores, o que melhoraria a formação educacional e pessoal do deficiente. Entretanto, seria também necessária a fiscalização do cumprimento de tal lei por meio de visitas de funcionários do governo, para garantir que ela seja, de fato, atendida.
Educação não ouve
Giovanna Myazi
Immanuel Kant, filósofo iluminista do século XVIII, já afirmava que “A educação é o maior e mais difícil problema imposto ao homem”. À vista disto, é ainda mais complexo e laborioso enfrentar os obstáculos que se perduram na formação educacional de surdos no Brasil.
Em primeiro lugar, o deficiente auditivo sofre pela falta de inclusão social. A formação educacional de qualquer ser humano não se limita apenas a assistir aulas, todavia, engloba também aspectos do âmbito social. Acentua-se a discriminação dos surdos quando os separam em escolas especiais. Assim, os estudantes não-deficientes não convivem com surdos no meio escolar e, consequentemente, gera-se a discriminação daquilo que não é comum.
Além da exclusão escolar, há ainda pouca difusão da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) acarretando notória dificuldade no ingresso às escolas, faculdades e empresas de preferência do surdo, pois, lamentavelmente, o deficiente auditivo não possui o privilégio de poder se comunicar em qualquer ambiente, assim como os não-deficientes. Desta forma, a escolha do ambiente de trabalho do surdo limita-se aos poucos locais adaptados a ele.
À vista de aumentar de modo significativo a inclusão social dos surdos, cabe ao Ministério da Educação aderir a LIBRAS como matéria obrigatória na base do currículo nacional escolar. Assim, promover-se-ia uma geração na qual todos têm acesso a uma comunicação efetiva. Afinal, afirmava o filósofo Pitágoras “Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos”. Desta forma, gerar-se-ia uma nação, no futuro, mais inclusiva e desenvolvida socialmente.