Olá, meu amigo! Seja especialmente bem vindo ao derradeiro post do meu intercâmbio em Harvard.
Ao longo do ano, sempre gostei de fazer do momento de escrever o post um acontecimento, de modo que raramente o faço no meu quarto. Gosto de escolher um lugar que seja pertinente ao tema, levar meu laptop até lá e só então deixar as palavras espalharem-se pela tela. Desse modo, já escrevi posts em diversos parques, restaurantes, jardins, cafés, bibliotecas. O lugar onde escrevo o post de hoje, seguindo o mesmo raciocínio, não poderia ser mais propício: Boston Logan International Airport.
Aeroportos sempre exerceram um certo encanto sobre mim. Não apenas porque eu adoro viajar (quem não gosta?), mas principalmente porque um aeroporto é, na minha concepção, um ambiente muito poético, que transborda histórias. Seja chegada ou partida, seja viajante ou acompanhante, seja tão sonhado retorno à terra natal depois de anos em solo estrangeiro ou uma rápida viagem a negócios: todo mundo que está no aeroporto tem uma história para contar. E isso me comove, me encanta, me inspira! Afinal, o que é a humanidade senão uma compilação de histórias?
Pois bem, de todas as pessoas que vão e vêm no aeroporto de Boston, qual é a minha história? “Hoje, depois de um ano de intercâmbio, eu volto para casa para reencontrar meu Brasil e minha família.” Simples e direto? Não exatamente.
Há dois pontos que me trazem certa inquietação nessa frase. O primeiro é a palavra “eu”, por um motivo muito simples: a Carolina que volta para casa não é a mesma que embarcou rumo a Boston no dia 20 de janeiro. Aquela pessoa era cheia de medos, que foram liquidados, um a um, por meio dessa experiência grandiosa. Eu tinha medo de não saber alguma coisa, qualquer coisa. Hoje, sei que isso é apenas uma janela para saber mais. Eu me apavorava pela ideia de ser taxada de imatura. Hoje, vejo que a busca ativa pelo “título” de maturidade é o maior indicativo de que se está a oceanos de distância dela. Talvez a percepção da imaturidade seja, em outras palavras, a consciência de que sempre se pode aprender e encantar mais pelos mistérios do mundo.
Eu morria de medo do escuro. Eu temia a solidão. Hoje, ela é uma grande amiga, que me ensinou que apenas quando estou sozinha e no escuro sou capaz de ver as estrelas que brilham dentro de mim. Apenas sozinha sou capaz de saborear o encontro comigo mesma, e colher frutos incríveis disso. E eu nunca mais dormi de luz acesa…
Eu tinha medo de escrever emoções e sentimentos que pudessem ser lidos por outras pessoas – e olha só onde estamos agora. Eu me apavorava com a possibilidade de atingir o esgotamento físico, e lá se foram duas meias maratonas concluídas com um sorriso no rosto. Eu morria (morria mesmo) de medo do frio, de dias curtos e de árvores tétricas sem folhas. Hoje, acho 1ºC uma temperatura deliciosa; amo dias curtos porque não preciso acordar super cedo para correr assistindo o sol nascer; penso que árvores sem folhas são um charme, pois é possível ver a lua cheia através dos seus galhinhos secos, o que é impossível com árvores frondosas. Eu me apavorava com a possibilidade de esquecer e perder certas memórias. Queria poder lembrar de tudo sempre. Hoje, entendo que é o esquecimento que nos permite maravilharmos com a mesma coisa de novo e de novo…
Eu tinha medo de tanta coisa, tinha sim. Da vida adulta, de ratos, de fogo, de barata. De ouvir “não”, de estar distante da família, de ser paciente. De me reinventar, de me conhecer a fundo, de mudar de ideia. Mas, graças a Deus, as coisas mudam, e “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.” Apenas um medo não desapareceu, só cresceu: o pavor de perder quem amo, meus maiores tesouros.
O segundo ponto que me inquieta na minha “história de aeroporto” é a palavra “casa”, conceito que ficou completamente bagunçado esse ano para mim. O que é, afinal, casa? Onde é? Ou talvez, quem é?
O quê? É muito mais do que quatro paredes. Já me senti perfeitamente em casa no laboratório da Harvard University, atualizando um relatório ou operando um rato, com plena convicção de que eu sabia exatamente o que estava fazendo. Entretanto, no início do ano, o sentimento, exatamente no mesmo espaço, era de estar perdida, desconfortável e desabrigada.
Onde? Vai muito além de uma localização geográfica. Já estive indubitavelmente em casa em qualquer cantinho de Boston. Já me senti parte daquele céu, já tive a convicção de que o único pesadelo que eu viveria naquele cidade seria deixá-la. Contudo, no começo do ano, em um ponto de ônibus na mesma cidade, às 11 horas da noite e com sensação térmica de -10°C, aquilo era tudo menos um lar. Ou pior, quando o telefone toca e por ele ecoa a voz de pai, mãe, vô, vó, Boston parece milhares de quilômetros distante de casa.
Então, quem? Tão mais do que a companhia de outras pessoas. Casa, hoje, são Anderson e Lucas, dois meninos com quem tive o prazer de dividir um apartamentinho antigo no bairro de Fenway e, muito além disso, construir uma amizade linda. Porém, nem sempre foi assim, e, nos primeiros meses, esses estranhos estavam muito longe do sentido de lar, abrigo, segurança.
Casa. No fim das contas, para mim, não é um “onde”, não é um “quem”, muito menos um “o quê”. Casa é um “quando”, é um momento lindo em que você tem toda a certeza do mundo de que nada pode te atingir. Que você está perfeitamente seguro, naquela companhia, naquele lugar, naquele presente. Casa é aquele milésimo de segundo em que você tem absolutamente tudo que você quer, precisa e ama.
Comecei esse blog, 11 meses atrás, te convidando a acompanhar minhas aventuras em Harvard. Analogamente, gostaria de terminar essa jornada te fazendo mais uma vez um convite: que você busque se desafiar a cada momento, que você não tenha medo de sair da zona de conforto. Que você tente algo novo todos os dias, que você ouse se conhecer. Te convido a sonhar cada vez mais alto e a lutar por cada conquista. Te convido a encontrar sua casa em cada momento, em cada lugar, em cada pessoa, em cada situação adversa. Acima disso, meu convite é que você faça tudo com muita alegria no coração… Meu amigo, obrigada por ter feito parte do meu sonho!
Pai, mãe… “Eu” estou voltando para “casa”!
Adeus, com muito carinho,
Carol Martines
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Carolina Martines estudou no Colégio Bandeirantes de 2006 até 2012. Em 2013, foi aprovada em primeiro lugar na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mas optou por cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). Depois de concluir os quatro primeiros anos da faculdade no Brasil, foi aprovada em um programa que a Faculdade de Medicina da USP tem com a Harvard University. Este programa seleciona estudantes que terão o privilégio de ser alunos de Harvard por um ano, trabalhando com pesquisa científica.