Olá, como estão as coisas por aí?
No post dessa semana, conforme prometido, vou te contar o resultado do meu fatídico experimento de 14 dias e o final do mistério da placa desaparecida. Preciso acrescentar que fiquei muito feliz com as várias mensagens que recebi de “Ei, me conta, a placa era sua mesmo?”. Me senti (quase) a Agatha Christie! A propósito, apenas sete ratinhos foram utilizados nessa experiência, e não dez, mas eu não poderia desperdiçar a oportunidade de fazer uma referência à minha obra favorita da rainha do crime. E se você não está entendendo nada do que eu disse até agora, leia o post anterior a esse, que contém o começo do caso dos dez ratinhos, antes de prosseguir.
Onde paramos? Eu havia passado os últimos 14 dias no laboratório muito envolvida com um experimento que incluía a análise de diferentes meios de cultura para manter pedacinhos de pulmões de ratos vivos por mais tempo. Era o 14o dia, quando eu faria as análises finais, essenciais para a conclusão do projeto. Entretanto, para meu total desespero, minha placa desaparecera da incubadora do laboratório, e encontrei a peruana Daysi, pesquisadora de outro time que esporadicamente usa o espaço do Dr. Brain, manipulando uma placa idêntica à minha e dizendo que era dela.
- Daysi, o que esta placa está fazendo aqui? – eu esbravejei, absolutamente certa de que aquele era o meu experimento, já que a tampa transparente fora identificada com a data pela minha letra.
- Essa placa está aqui porque é minha. Olha só o meu nome nela! – ela gritou de volta, pegando-a das minhas mãos.
Eu não sou uma pessoa nada agressiva, mas admito que nesse momento eu considerei seriamente pular no pescoço da peruana. Com o indicador, ela apontou para as letras na tampa.
- Aqui está o meu nome: Daysi. Como isso pode não ser meu?
Repentinamente, uma combinação estranha de alívio e raiva preencheu meu peito. Estava tudo esclarecido, e eu só consegui rir. Tirei a disputada placa das mãos dela, e foi minha vez de indicar as palavras na tampa:
– Daysi, aqui está escrito “DAY 14”, não “DAYSI”.
– Ahhh, eu achei que fosse o meu nome – ela disse baixinho, com uma expressão de choque e vergonha.
Não me segurei e dei uma boa bronca (da maneira mais educada que eu consegui) antes de sair da sala levando o meu experimento. Daysi poderia ter destruído duas semanas do meu trabalho por causa desse erro. Onde já se viu entrar no laboratório alheio e pegar experimentos dos outros? E pior, como alguém pode simplesmente não lembrar das suas próprias placas? Os outros pesquisadores do laboratório Brain ficaram incrédulos com essa história, e as medidas de segurança foram reforçadas. Agora, a peruana me pede permissão dez vezes antes de mexer em qualquer coisa… Melhor assim, não é mesmo?
O mistério foi solucionado, mas eu ainda precisava cuidar do mais importante: a conclusão do projeto. Não totalmente recuperada da ira, passei o dia fazendo testes e análises estatísticas. Quando estava tudo pronto, comecei a interpretar os resultados e me dei conta de que o pior momento do dia não fora a discussão com Daysi, como eu supusera… A pior hora desse dia tão longo começaria naquele instante, pois os resultados não faziam o menor sentido.
Veja bem, no mundo da ciência, costuma-se dizer que todo resultado, positivo ou negativo, é um resultado válido. Contudo, em algumas situações específicas, há resultados verdadeiramente nulos, que mostram que o experimento deu errado. Era esse o caso: os números indicavam que a viabilidade dos pedaços de pulmões em todos os quatro grupos aumentava no último dia em comparação com os anteriores, o que é biologicamente impossível. Por acaso, você assistiu ao filme “O curioso caso de Benjamin Button”, em que o protagonista nasce idoso e vai rejuvenescendo ao longo dos anos? Então, os resultados do meu experimento indicavam que os pulmões dos ratinhos estavam comportando-se à la Benjamin Button, ganhando vida com o passar do tempo, o que simplesmente não pode ser explicado pela nossa ciência, pelo menos não por enquanto. Em suma, falemos um português bem claro: os meus 14 dias de trabalho foram para o lixo. O fato de Daysi ter tirado a placa da incubadora antes do tempo poderia ter contribuído para tal? Quiçá, mas também podem ter sido inúmeros outros fatores. Eu nunca saberei ao certo. De qualquer modo, não precisava de um culpado, e sim de uma solução.
Na manhã seguinte a esse dia tão conturbado, apresentei meus resultados para o Ramon, meu orientador, e pedi para repetir o experimento. Mesmo concordando comigo quanto à necessidade de repetir tudo devido aos resultados impossíveis obtidos, ele não ficou nada animado, por dois motivos. Primeiramente, seria muito custoso refazer o projeto, já que os ratos, o meio de cultura novo e as nanopartículas de prata são assaz caros. Em segundo lugar, o laboratório estava com outras prioridades naquele momento, e eu seria necessária em um outro projeto. Entretanto, apesar de sua objeção inicial, eu insisti, dizendo que queria muito concluir esse experimento, e que me comprometia a realizar os dois projetos concomitantemente. Assim, Ramon concordou, e lá fui eu recomeçar mais uma série de 14 dias: mais ratos sacrificados, mais 200 pedacinhos de pulmões, mais sábados e domingos no laboratório.
Enfim, depois de fazer leves ajustes para minimizar a chance de erros, refiz o experimento inteiro por duas semanas e, dessa vez, para o meu deleite, obtive resultados interessantes e plausíveis. Toda animada, preparei uma apresentação em PowerPoint para a reunião do laboratório Brain do dia seguinte. Eu havia me envolvido muito com esse projeto, e estava ansiosíssima para dividir minhas descobertas com o resto do time. Contudo, infelizmente, a reunião foi bem diferente do que eu imaginara: ninguém mostrou o menor interesse pelos resultados.
Como expliquei no post anterior, esse projeto fora discutido inicialmente em julho desse ano, logo passaram-se mais de três meses da elaboração inicial até o dia da apresentação, 17 de outubro. Muita coisa muda em três meses, e o experimento claramente deixara de ser uma prioridade para o laboratório. Caberia a mim apenas aceitar essa realidade, pelo menos por enquanto. Mas não posso negar que fiquei extremamente chateada e decepcionada com toda essa história: foram semanas de expectativa e trabalho intenso em vão.
E foi assim que eu planejei que esse post terminaria. Um pouco melancólico, eu sei, mas sinto que tenho a obrigação de ser realista e mostrar tanto o lado maravilhoso de fazer pesquisa em Harvard, quanto as partes frustrantes e desagradáveis. Às vezes, ganhamos; às vezes, aprendemos. E eu havia aprendido uma lição valiosa: tenha paciência, menina, saiba a hora de controlar sua intensidade.
Fim.
Porém… (Sempre tem um porém.)
Eu não estava super satisfeita com esse post, – quem não prefere um final feliz? – mas saí para escrevê-lo mesmo assim. Peguei meu laptop e fui para um parque perto de Harvard para aproveitar enquanto o clima me permite escrever ao ar livre.
Estava começando a digitar o título quando chegou um e-mail, O e-mail: era uma colaboradora do Brain lab dizendo que os resultados do meu projeto serão parte de um abstract que será submetido para a conferência anual da American Thoracic Society (ATS 2018), maior congresso de pneumologia da América. UAU. Consegue imaginar o sorriso que eu abri com essa notícia?
Depois dessa, creio que o final mereça ser atualizado, porque não há absolutamente nada melhor do que sonhar alto, trabalhar duro e, de pouco em pouco, conquistar o que você sempre quis.
Até a próxima!
Carol Martines
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Carolina Martines estudou no Colégio Bandeirantes de 2006 até 2012. Em 2013, foi aprovada em primeiro lugar na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mas optou por cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). Depois de concluir os quatro primeiros anos da faculdade no Brasil, foi aprovada em um programa que a Faculdade de Medicina da USP tem com a Harvard University. Este programa seleciona estudantes que terão o privilégio de ser alunos de Harvard por um ano, trabalhando com pesquisa científica.
“Eu sei o preço do sucesso: dedicação, trabalho duro, e uma incessante devoção às coisas que você quer ver acontecer.” (Frank Lloyd Wright)