Olá, tudo bem?
Dizia Vinicius de Moraes que a vida é a arte do encontro. Alguns encontros, os melhores, são para uma eternidade. Outros, porém, são breves e podem quase passar despercebidos. Há também aqueles encontros rápidos mas que definitivamente nos marcam por muito tempo, e é desses que eu quero falar hoje. Nos últimos meses, duas pessoas passaram pelo meu caminho, e me ensinaram muito mais do que podem imaginar.
Comecemos pela Jennifer Lee. Em um dia chuvoso de maio, conheci essa menina sorridente na Conferência Anual do Instituto Lown, uma organização com o objetivo de promover a humanização da medicina e transformar os atuais sistemas de saúde, melhorando assim a vida dos pacientes. A propósito, esse instituto foi fundado pelo Dr. Bernand Lown, médico que revolucionou a Cardiologia com a invenção do desfibrilador, aquele aparelho utilizado para ressuscitação cardíaca por meio de um “choque” que aparece em todo filme sobre medicina. Como se isso já não fosse suficiente, o Dr. Lown recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1985 por sua constante luta contra a guerra nuclear. Ele também é Professor Emérito na Harvard School of Public Health, onde eu tenho a honra de estudar. Toda essa introdução é para reforçar que essa conferência era realmente algo de outro mundo. Contudo, o centro de convenções em um hotel em Quincy, perto de Boston, era pequeno, pois o objetivo era abrir espaço para discussão. Desse modo, a maioria dos presentes era extremamente ilustre – eu só tive o privilégio de estar lá porque o meu chefe providenciou meu convite com sua enorme influência. Não preciso nem comentar que o aprendizado que eu tive lá foi inimaginável.
Foi nesse ambiente de nível intelectual exorbitante que conheci a Jennifer. Traços orientais, sorriso fácil, 22 anos. A idade destoava do resto dos presentes tanto quanto eu, e por isso começamos a conversar. Eu definitivamente não esperava o que ela me contaria a seguir.
Jennifer, nascida em Nova York, formou-se pela Johns Hopkins University em Sociologia, Estudos Internacionais e Saúde Pública. Também estudou política, filosofia e economia na Oxford University (duas das melhores universidades do mundo). Já morou e fez pesquisa científica no Brasil, Índia, Coreia do Sul e África do Sul. É a fundadora de uma campanha de um alcance inacreditável com o objetivo de engajar jovens na política a fim de garantir os direitos humanos principalmente na área da saúde, motivo pelo qual foi convidada pela ONU para participar de um treinamento em Genebra sobre o funcionamento da organização e mecanismos de direitos humanos. Seu próximo destino é a Cambridge University, onde estudará Políticas Públicas.
Enquanto ela me contava tudo aquilo com a maior naturalidade e humildade do mundo, como se suas conquistas fossem simples, meu queixo caía cada vez mais. Tenho certeza que, em um futuro bem próximo, Jennifer estará no Congresso dos Estados Unidos, na ONU ou algo do gênero. Ela é, sem sombra de dúvidas, uma pessoa que fará a diferença no mundo.
Depois de nos despedirmos, no longo trajeto de trem de volta à Boston, eu me perguntava: e eu, será que eu farei a diferença no mundo? Normalmente, fico muito satisfeita comigo mesma por fazer intercâmbio em Harvard e cursar medicina na USP. Dessa vez, porém, as minhas conquistas não me pareciam nem um pouco impressionantes, apesar de Jennifer dizer educadamente que eram. Entretanto, não me senti “diminuída” ou “pior” em nenhum momento: meu sentimento foi de inspiração. Compreendi que sempre é possível almejar mais, conquistar mais – principalmente quando se trata de um objetivo final tão nobre como saúde ou direitos humanos. Saí daquele encontro verdadeiramente inspirada a ser melhor, para mim e para os outros. Sabe aquele clichê de “vou tornar o mundo um lugar melhor”? Exatamente isso, sem tirar nem por. Obrigada, Jennifer!
Agora, vamos ao segundo e último encontro. Ao contrário do anterior, Samuel Goldman não tem um currículo acadêmico digno de nota, apenas concluiu o Ensino Médio. Mas quem disse que apenas pessoas com diplomas universitários têm algo importante a nos ensinar?
Naquela semana, eu estava na capital dos Estados Unidos para o congresso da American Thoracic Society, evento sobre o qual eu falei em detalhes no post Congresso em Washington, D.C. Em um dos últimos dias da conferência, depois de uma tarde cansativa repleta de palestras, estava eu na área comum do hostel onde fiquei hospedada. Não sei se você já se hospedou em um hostel, mas saiba que, ao contrário de hotéis, onde as pessoas mal conversam, em hostels todo mundo acaba se conhecendo, sendo a esmagadora maioria composta por estudantes sem dinheiro para pagar um quarto privado.
Em meio àquela agitação de jovens na sala do hostel, um menino franzino sentou-se ao meu lado. Aparentava não mais do que 17 anos, mas tinha na verdade 22, a mesma idade que eu e Jennifer. Eu não estava muito disposta a conversar a princípio, mas o garoto parecia meio estranho, como se estivesse escondendo alguma coisa, o que despertou minha curiosidade. Percebi que ele estava nitidamente com dor no joelho e perguntei. Ele respirou fundo, e começou a contar sua história. Eu adoraria ter inventado todo esse relato só para tornar o post mais interessante, mas infelizmente, não é o caso.
Samuel, o segundo dos quatro filhos da família Goldman, nasceu em Tel Aviv, Israel, onde todos os cidadãos aos 18 anos devem obrigatoriamente apresentar-se ao serviço militar. Se física e mentalmente aptos, como era o caso dele, devem servir por três anos no mínimo. Como Samuel optou por servir como sniper (franco-atirador), atividade que exige muito treinamento, o período estendia-se para quatro anos. (Nesse ponto da conversa, eu já estava tremendo… mal sabia o que viria a seguir.) Desde o início do serviço, ele foi agrupado com mais dois meninos, e o trio tornou-se inseparável: dormiam, comiam e praticavam juntos. Eram irmãos de verdade, nas palavras dele. O trio também tinha uma importância estratégica, tendo cada um uma função específica dentro de uma missão, e a do Samuel era disparar tiros precisos de longa distância. Eu olhava para aquele menino pequeno e me recusava a acreditar que ele era capaz de segurar uma arma.
A história prosseguiu. O trio, após estafante treinamento militar, foi enviado para a guerra na Síria. Sim, a Síria, da qual ouvimos tanto falar no Jornal Nacional, mas que parece uma realidade tão distante… de repente, tão perto. O menino sentado ao meu lado estivera naquela guerra. Entre várias missões, uma delas deu errado e seus dois amigos morreram na sua frente. Samuel ficou tão abalado que foi afastado temporariamente e internado por questões psiquiátricas. Quando retornou ao serviço, ainda não plenamente recuperado, uma das primeiras missões também falhou, e ele foi atingido por uma bala no joelho, mas, segundo ele, “era para ter sido no coração”. O menino quase morreu no hospital, foi operado, porém houve sequelas – por isso, a dor no joelho.
Depois disso, foi definitivamente afastado e decidiu viajar por seis meses pela América para tentar superar tudo isso. Washington era sua primeira parada. E agora, o que Samuel pensava da guerra? “Não importa quem ganha, quem perde…só quero que acabe.” Quando comecei a pedir desculpas por tê-lo feito me contar o que ele certamente queria esquecer, percebi que estava chorando. Sequei as lágrimas, agradeci-o por ter dividido sua história comigo e fui deitar, mas foi muito difícil dormir naquela noite. Era informação demais para digerir. Encontrei o Samuel nos dias seguintes no hostel, mas não falamos mais sobre isso. Sei que ele está bem, atualmente em algum lugar no México, seguindo sua aventura. Provavelmente, nem lembra de mim, mas eu nunca esquecerei a história dele. Obrigada, Samuel!
Afinal, o que eu levei de cada um desses encontros? Por que foram tão marcantes? Jennifer me ensinou a sempre sonhar mais, querer mais, alcançar mais. Não existe zona de conforto, não existe limite e não existem dúvida: você pode mudar o mundo, sim. Por sua vez, Samuel e a lição mais importante: seja sempre grato por absolutamente tudo. Do outro lado do mundo, há pessoas da minha idade passando por coisas pelas quais nenhum ser humano deveria passar. Problemas de verdade, guerra de verdade. É muito longe daqui, certamente, mas ainda assim, é o mesmo mundo. E às vezes perdemos o sono por tão pouco…
Até a próxima semana que vem, e que você tenha encontros lindos pela frente!
Carol Martines
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Carolina Martines estudou no Colégio Bandeirantes de 2006 até 2012. Em 2013, foi aprovada em primeiro lugar na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mas optou por cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). Depois de concluir os quatro primeiros anos da faculdade no Brasil, foi aprovada em um programa que a Faculdade de Medicina da USP tem com a Harvard University. Este programa seleciona estudantes que terão o privilégio de ser alunos de Harvard por um ano, trabalhando com pesquisa científica.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida.”. (Vinicius de Moraes)