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Cigarro eletrônico não é inócuo como a indústria divulga

Publicado em 14/09/2017 21:29

Apesar do potencial de redução de danos em pessoas que não conseguem largar o cigarro, novos dispositivos para fumar, como cigarros eletrônicos e aparelhos de aquecimento, podem colocar em risco a bem-sucedida política antitabagista do Brasil.

A avaliação é de Tânia Cavalcante, 61, médica do Inca (Instituto Nacional do Câncer) e secretária-executiva da Conicq (comissão interministerial para controle do tabaco).

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“A grande preocupação hoje é que [o cigarro eletrônico] não é um produto inócuo, como vem sendo divulgado pela indústria. Isso passa a imagem para o jovem que ele pode usar, que não vai ter risco nenhum, e gera grande adesão”, diz ela à Folha. Nos EUA, o cigarro eletrônico já é a forma mais comum de jovens experimentarem tabaco.

Dispositivos eletrônicos para fumar apresentam de fato menos riscos?

Tânia Cavalcante – É um tema ainda muito debatido na saúde pública. Existe um consenso de que o cigarro eletrônico não é um produto inócuo, tem substâncias cancerígenas e aditivos com sabores, que podem ter efeitos tóxicos que a gente ainda não conhece.

Outro fato é: se comparar esses produtos com o cigarro convencional, ele tem menos substâncias tóxicas, mas só no futuro vamos saber o benefício líquido que existe em termos de riscos para um fumante que substitui o cigarro convencional por outro eletrônico, que não queima, que não gera alcatrão, que não gera monóxido de carbono.

Estudos indicam que o cigarro eletrônico gera menos danos que o tradicional. Isso é real?

Existem debates mostrando evidências de que o cigarro eletrônico, nas marcas pesquisadas, tem bem menos substâncias tóxicas que o cigarro convencional. Mas existem “n” formas de cigarros eletrônicos, gerações, marcas, líquidos. É difícil avaliar o impacto disso porque a gente não tem padronização para comparar.

Também tem estudo mostrando que os fumantes que trocaram cigarros convencionais pelos eletrônicos tiveram redução dos níveis de substâncias cancerígenas. Mas há vários outros estudos que contradizem esses resultados.

O relatório da OMS [Organização Mundial da Saúde] diz que eles têm menos substâncias tóxicas, mas as incertezas a longo prazo fazem a saúde pública ter cautela, principalmente pela grande variedade de produtos e o uso intensivo de aditivos que dão sabor.

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Mas, afinal, o produto tem ou não algum benefício?

Pode ter. Uma pessoa que fez todos os tratamentos disponíveis por aí e não consegue parar de fumar poderia teoricamente se beneficiar porque não estaria se expondo ao alcatrão e ao monóxido de carbono. Só nessas situações.

A grande preocupação hoje é que [o cigarro eletrônico] não é um produto inócuo, como vem sendo divulgado pela indústria. Isso passa a imagem para o jovem que ele pode usar, que não vai ter risco nenhum, e gera uma grande adesão por parte dos jovens.

Nos EUA, o cigarro eletrônico já é a forma mais comum de jovens experimentarem tabaco. O Brasil corre esse risco?

Sim. Nos EUA, o cigarro eletrônico já ultrapassou o cigarro convencional. Lá teve um boom de consumo no momento em que ele foi introduzido sem nenhuma regulação ou conscientização de que aquilo não é a brincadeirinha que tentou se passar por meio de propagandas muito semelhantes àquelas usadas nos cigarros convencionais, com artistas dando testemunhos de que o produto era maravilhoso. A população passa a pensar que aquilo é um produto que não causa dano.

A indústria do tabaco não está aí para ajudar o fumante a deixar de fumar, mas para manter o mercado aquecido. Como faz isso? Incentivando quem nunca usou a usar.

Há riscos para a política antitabagista brasileira?

Claro, basta olhar a questão dos aditivos [substâncias que dão sabor aos cigarros].

A indústria conseguiu dar um quase xeque-mate na Anvisa [Agência de Vigilância Sanitária]. Desde 2012, eles entraram com ação questionando a constitucionalidade da Anvisa de regular produtos de tabaco. E também entraram com liminar suspensiva.

A medida foi publicada, mas não está sendo implementada porque a indústria alega que agência não teria competência de proibir ingredientes no cigarro. A situação está de tal forma que a Anvisa pode perder a legitimidade de deixar de regular produto de tabaco ou qualquer outra coisa se abrir esse precedente.

Agora só depende do STF (Supremo Tribunal Federal)?

Exatamente. Com essa demora no julgamento, a indústria está ampliando o mercado de marcas de cigarros com sabor. O crescimento foi de 1.900%. O que eles querem é aquilo que traz rentabilidade ao negócio, que é capturar adolescentes, jovens.

A indústria está se apropriando dessa terminologia de redução de danos, mas não está preocupada em reduzir danos do fumante. Eles querem ampliar o mercado, estimular iniciação. Eles não vão abrir mão de tirar os aditivos, os docinhos, essas coisas.

E sobre os dispositivos de aquecimento de cigarro?

A indústria está tentando dar o pulo do gato em relação aos cigarros aquecidos. Usar o tabaco picadinho e, em vez de queimar, aquecer. Por quê?

A nicotina chega com a rapidez de uma injeção na artéria, não na veia. A artéria leva a nicotina muito mais rápido para o cérebro do fumante, o que gera a sensação do cigarro convencional. O cigarro eletrônico não tem como competir com a capacidade de criar dependência que tem o cigarro convencional. Então estão optando por uma coisa intermediária. É um jogo.

Quais as chances de a Anvisa aprovar esses produtos?

A Anvisa fez uma consulta pública, colocou restrições. A indústria precisa provar o que está dizendo, que esses dispositivos eletrônicos são seguros e ajudam a pessoa a deixar de fumar. Sobre o cigarro convencional, a gente tem que tirar do mercado. É inaceitável um produto que mata dois a cada três consumidores. No Brasil são mais de 156 mil mortes por ano. No mundo, são 7 milhões. O que arrecadamos com o cigarro corresponde a 23% do que gastamos em saúde.

Há formas de compensar esses prejuízos à saúde pública?

Existem projetos de lei em tramitação no Congresso, como um que cria uma contribuição compulsória, um instrumento que pode ser aplicado a áreas da economia que têm potencial de gerar danos.

O uso tem que estar vinculado à mitigação do potencial dano daquela atividade. É justa porque não é toda a população que vai arcar. É claro que eles vão passar isso para o fumante. E que bom que vai aumentar o preço e que muita gente vai deixar de fumar.

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Matéria de Cláudia Collucci retirada do site da Folha de São Paulo em 13 de setembro de 2017.

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