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Vencedores do Concurso Fernando Pessoa – 2017: segundo colocado: “Ilustre Tertúlia em Condições de Brasilidade e Heteronomia”, Mauro Simas Neto, 3E1

Publicado em 04/09/2017 06:50

É com imenso prazer que, após tantos e maravilhosos textos enviados, conseguimos, tarefa ingrata!, escolher os três vencedores do Concurso Fernando Pessoa, edição de 2017. Parabéns aos vencedores e a todos os participantes (que também serão publicados em breve). Aproveitem a deliciosa leitura.

Equipe Palavrarte e Equipe de Português

Ilustre Tertúlia em Condições de Brasilidade e Heteronomia

Era uma frígida tarde invernal daquele fatídico ano de 1942. Com minhas já desgastadas vestes de viajante tentava em vão escapar da fúria dos elementos. Trovoadas rugiam ao longe e lembravam-me dos canhões que naquele momento deviam castigar terras não tão distantes em nome da futilidade humana. Parei sobre o abrigo de um toldo e por um breve momento direcionei minha vista para a cidade fustigada pela incansável tempestade em um terrível duelo entre civilização e natureza. Lisboa, mesmo sob tão desfavoráveis condições, resplandecia com sua beleza atemporal. Um lugar hostil a princípio às concepções que trazia de minha pátria brasileira, mas que acabei por naturalizar. Portugal, uma nação com um destino tão infeliz, ainda assim era infinitamente afortunada por ser um dos últimos refúgios da destruição que assolava a Europa. Alvo de uma rajada de vento particularmente cortante, voltei ao mundo concreto e nesse momento que avistei um café mais afrente na deserta ruela. Ao aproximar-me a passos largos, pude ler a convidativa inscrição: “A Brazileira”. Meus pensamentos voltaram a meus tempos de infância na enevoada São Paulo, antes de eu decidir aventurar-me por terras além-mar. Muito mudou desde então. A solitária cidade que havia conhecido agora se movia freneticamente sob os ritmos da modernidade.  Getúlio Vargas governava o amado país com mão de ferro, não muito diferente do ditador português com quem me habituara. Triste época para homens que ansiavam pela liberdade! Decidi por buscar abrigo naquele estabelecimento que trazia tantas memórias boas. Ao adentrar, logo o notei por um requintado café, lugar de reunião de notáveis, e não hesitei em ajuntar-me a um cavalheiro de faustas vestimentas que desfrutava a bebida de minha terra no imponente balcão.                                                                                                                                             – Minhas mais nobres saudações, egrégio senhor! – ele prontamente me saudou – Zeus está insaciável em seu furor celeste: Foste vítima desse caos elementar, eu infelizmente vejo.                                                                                                                    -De fato, ilustre! – respondi. Notava vagamente na fraca iluminação um semblante altivo e que estranhamente inspirava serenidade – O clima hostil não me poupou! Enquanto tirava meu ensopado sobretudo, introduzi-me ao desconhecido.  Ele logo me reconheceu como um habitante do Novo Mundo.                                                   – O onipotente Fado conduz-nos, meras folhas ao vento, a essas inexplicáveis coincidências. Aqui estou eu, bebendo o fruto do labor de vosso povo no café que leva o nome de vossa terra.                                                                                                                          -E ainda assim, indivíduos tão diferentes, unidos pelo Destino como dizes, conseguem interagir positivamente, confeccionar laços fraternais, identificar-se como seres humanos! Creio que esse seja o maior bem provindo da civilização humana, da vida em sociedade!                                                                                                                          Embebido na fascinante conversa, não notei um vulto que chegava ao balcão e que não tardou em pronunciar-se:                                                                                                                   -Sim, a civilização… Já a exaltei outrora, a beleza moderna, a eficiência               fabril, a supremacia das máquinas! Tudo em vão… A real questão nunca resolvi. A verdade é que não consigo sequer encontrar o meu verdadeiro eu, pior, sou um insignificante grão de areia em uma praia inteira… E pensando nisso, não vivo.                                                -A triste realidade humana é essa, meu caro – afirmou meu primeiro interlocutor – somos seres pensantes, mas a solução para isso é fácil: basta focarmos no presente, nos prazeres momentâneos, que a vida não é eterna. Filosofes sobre esses assuntos e desassossegar-te-ás inutilmente. Contenhas esses impulsos pensantes, aceites o Fado e vivas cada instante como se fosse o último.                    -Um complicado problema! – conclui humildemente e, enquanto cumprimentava o novo personagem, continuei – Ilustre, quando me referi à civilização estava pensando na ideia de coletividade, mas a sua perspectiva tecnológica também é bem discutível. É nela, pois, que se encaixa o horror da guerra atual!                             – O resultado conspícuo do desequilíbrio que reina no pensamento dos homens nesses tristes tempos. É no passado, época de glória e prosperidade, que devemos nos espelhar. – retrucou o homem com quem havia inicialmente me encontrado.                              – Ricardo, não posso admitir que o passado seja a solução. A humanidade sempre sofreu com os conflitos bélicos. – asseverou o segundo cavalheiro- A tecnologia pode os ter feito mais destrutivos, mas não é a causa deles continuarem a nos atormentar!                                                                                                                                      – Creio que a única solução seja uma nova mentalidade mundial que preze pela paz, não há outra forma! – exclamei exaltado.                                                                                      Nesse derradeiro momento, um terceiro homem vestido humildemente aproximou-se de nós. Com um quê de ares bucólicos, lembrava-me os poetas antigos, um árcade perdido, quem sabe? Mas o mais intrigante era seu ar de sabedoria, alheio a tudo que já havia visto na civilização humana. Ó céus, era impossível rotular tal homem! Ele transcendia toda e qualquer definição de homem moderno. Oras, estava diante do primordial, do ser humano como veio ao mundo, sem preceitos ou filosofias!           – Mestre, meu mestre! Ilumine-nos em nosso dilema! Sobre guerra e paz, o que fazer?- indagou o homem vítima da modernidade                                                                          – Meus amigos, não há nada o que fazer a não ser fazer nada. A guerra é resultado do pensar. Sem o pensar sobre ela, não há guerra.  Se os homens soubessem a apenas ver e ouvir, todos os conflitos cessariam. Discussões sobre a paz mundial só têm efeito reverso, só essa sabedoria bastaria. É disso que necessitamos: não de infrutíferas reflexões, mas sim de um pensar em não pensar.                                                  Pasmo com uma resposta tão simples, mas tão verdadeira, finalmente me apercebi que a chuva já havia abrandado e que já eram horas de seguir para meu destino original. Despedi-me das peculiares figuras e ausentei-me sem maiores reflexões. Foram só anos mais tarde que lembrando do memorável ocorrido notei o agora óbvio. Oras, eram os heterônimos do ecúmeno e inesquecível mestre literário, Fernando Pessoa! Inexplicável do inexplicável! Com essa eternal dúvida, só me resta perpetuar esse conto, quer seja fruto da minha imaginação ou joguete do Destino…

Mauro Simas Neto, 3E1

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