Bom dia.
Hoje eu acordei no meu quarto branco e rosa em São Paulo. O cheiro de pão francês fresco estava no ar, assim como o barulho das buzinas da 23 de maio e a música de entrada do Globo Rural na TV da sala. Era domingo. Minha mãe estava colocando a mesa do café. Meu pai, com seu pijama xadrez, certamente estava com os olhos vidrados no seu programa favorito. Minha irmã ainda estava sonhando, e sem dúvidas dormiria até perto do meio dia, quando minha mãe a acordaria para logo sairmos para o almoço de domingo na casa da Nonna. Mas ainda era cedo. Fechei os olhos de novo.
Hoje eu acordei no litoral. O ar quente, o som inconfundível do quebrar das ondas e as conversas animadas da família logo cedo não deixavam dúvidas: era o auge do verão, alguma data entre o Natal e o Ano Novo. Estava todo mundo ali. Os primos haviam jogado Banco Imobiliário ou alguma brincadeira nova de mímica até bem tarde na madrugada anterior, então me permiti virar para o outro lado e dormir mais um pouco.
Hoje eu acordei na terça-feira mais mundana possível. Estava chovendo de leve lá fora na Cidade da Garoa, e o dia seria bem intenso na faculdade, com aulas de Clínica Médica a manhã e a tarde inteiras. Porém terça sempre foi o “nosso dia”, nosso respiro no meio da semana. Eu jantaria com ele à noite, depois da aula. Que motivo melhor eu precisava para acordar feliz? Mas ainda não. Mais 5 minutos antes do despertador tocar. Só mais um pouquinho.
Hoje eu acordei e estava em todos os lugares, mas só estava aqui. Em Boston, em “casa”.
“Saudade” sempre foi a minha palavra favorita. Em parte porque ela não existe em muitos outros idiomas além do Português, mas principalmente por ser tão sucinta e precisa, dizendo tanto em tão poucas letras.
Sim, eu estou com saudades. Muitas. Longe de casa há mais de uma semana, há mais de sete meses. Pensei que fosse mais difícil no começo e depois melhorasse, mas eu estava enganada. O início é repleto de saudades agudas, desesperadas, até meio infantis. Uma dor em pontadas. Depois, meu amigo, a saudade cronifica-se… Você não chora, não se descabela, mas ela está sempre lá. Uma dor em pressão. Sutil, mas permanente.
Se você me desse uma passagem de volta para o Brasil agora, eu entraria no avião? Certamente não. Morro de saudades, mas gosto demais de Boston, e entendo a importância da experiência de um ano de intercâmbio. Tenho muito a aprender aqui ainda. Entretanto, se você aumentasse a minha estadia para dois anos… ah, aí seria demais. Não, obrigada.
Uma coisa é certa: de todas as lições desse ano em Harvard, que não foram poucas, a principal já foi aprendida. Eu sempre soubesse, na verdade, mas só uma experiência dessas é capaz de escancarar isso aos nossos olhos: não há nada melhor no mundo do que amar e ser amada.
Saudades…
Até a próxima.
Carol Martines
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Carolina Martines estudou no Colégio Bandeirantes de 2006 até 2012. Em 2013, foi aprovada em primeiro lugar na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mas optou por cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). Depois de concluir os quatro primeiros anos da faculdade no Brasil, foi aprovada em um programa que a Faculdade de Medicina da USP tem com a Harvard University. Este programa seleciona estudantes que terão o privilégio de ser alunos de Harvard por um ano, trabalhando com pesquisa científica.
“A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo.” (Mário Quintana)