Primeira visão dos cegos
Naqueles tempos o mestre dizia:
Admirem o rio
Passamos horas contemplando-o
Ao voltar contamos ao mestre o que vimos
Vi-me no rio!
Mas nada podia mudar em mim
Como as águas do rio passam, e não mudam
O Tejo mostrou-me todas as suas faces!
Naveguei Algodor e Sever!
Vi-me no rio!
Tantos Tejos, tão diferentes, assim como eu
Nasço sempre diferente, mas morro no mesmo lugar
Acordo desconhecido, durmo conhecido para tornar-me outro!
Já disse demais, me estresso, que fale você!
Olhei o rio, o rio me olhou
Para não cansar deixei-o em paz
O rio também me deixou em paz
Paz demais, perturbei o rio
Imaginei os grandes navegadores
Para não ficar no passado vi pescadores
Deixei o rio se divertir e aproveitar o tempo
Apesar de apenas eu poder morrer sem viver
Mandei que vissem o rio
Não pedi que ouvissem a si mesmos
O Tejo corre sempre diferente
As vezes rápido, as vezes mais lento
O vento sopra e o Tejo mantém-se sereno
Quanto mais o olho, percebo quanto o desconheço
Pois meu olho é cego e o Tejo o suja com seu passado
Tenho que limpar os olhos para vê-lo
Por isso pedi que admirassem o Tejo
Ele é enevoado, difícil de ser enxergado
Talvez vocês pudessem ter me mostrado o Tejo
Mas o que viram não foi nem o rio nem suas sombras,
Viram a escuridão incerta, a única coisa que se vê de olhos fechados
Tentemos de novo…
Um cidadão
(Daniel Rua Lamarca, )