Era sempre a mesma coisa, a menina lavava, passava, cozinhava e cuidava do cachorro. Tudo isso sem contar que estudava, e estudava pra valer, porque se trouxesse alguma nota menor que oito apanhava de cinta, a maldita cinta que era do pai e que a madrinha guardara, a maldita cinta de couro, a maldita cinta que tinha lhe dado aqueles vergões na noite anterior, e na anterior, e na anterior, desde a morte de seus pais.
Ela não entendia como a madrinha podia ser tão má, tão rabugenta, tão de mal com a vida.
Nem o coitado do cachorro escapava, já levara tantas chineladas e chutes que estava meio calejado da dor. Mas a menina não, as costas ardiam como nunca tinham ardido antes e o calor fazia-a suar, e o suor fazia arder ainda mais.
Assim passaram-se os anos, a órfã e a “Dinda”. Ambas vivendo na tristeza, a menina por causa da madrinha e a madrinha por causa das feridas que a vida foi causando-lhe aos poucos.
As feridas só se fecharam no momento da morte, pelo menos foi o que a menina, que a essa altura já era mulher, imaginou. E as duas só puderam ser livres depois disso, depois que a madrinha estava no caixão, tampado e enterrado a sete palmos do chão.
Isabella Paulino, 1B1