Então ele viu. O pernilongo voando lenta e inocentemente em frente ao espelho do banheiro. O reflexo de erguer a mão e levá-la ao inseto foi instantâneo. Mas antes de encontrar seu alvo, ela parou no ar, indecisa. Ele então sentiu como, naquele momento, era o árbitro do destino do mosquito. Como a vida daquele ser ignorante estava em suas mãos, ou no caso, em sua mão aberta no ar. Gostou da sensação, era como se fosse um deus a decidir se sua alcunha seria de O Misericordioso ou O Impiedoso. E seu mais novo – e único – fiel continuava a voar sem saber que estava entre a vida e a morte, flutuando com movimentos circulares em frente ao espelho. O que se passaria em sua minúscula cabecinha? Voava em frente ao espelho como se namorasse sua própria imagem. Mosquitinho narcisista. Continue assim e nem sentirá a dura mão de seu senhor quando Ele decidir que sua hora chegou. Talvez então você verá que se não tivesse passado seu tempo a voar distraidamente contemplando a si mesmo, poderia ter escapado seu terrível destino. Pensando isso, ele percebeu que o mosquito poderia dar uma boa metáfora, mas metáforas não eram seu forte e nem seu interesse, e logo esses pensamentos o escaparam. O mosquito continuava a voar, mas a mão já não sentia mais vontade de esmagá-lo. Então, levantou-se novamente, mas agora, para arrumar o cabelo de seu dono. Este parou para apreciar sua imagem refletida, assim como seu pequeno súdito fazia. Saiu pensando em como seria também uma burrice sujar sua mão e o espelho desnecessariamente, com um reles mosquito, como quase fizera momentos antes. Descobriu que era um deus misericordioso afinal. Acordou no dia seguinte cheio de picadas.
Gabriel Mello 3B1