Morri 6 meses atrás, numa terça feira, às 18h49, na cama de um hospital. Os detalhes que levaram à minha morte não interessam, até porque não me lembro deles com clareza (é impressionante como os sentidos se confundem nos momentos que levam ao fim da vida).
Encontro-me agora no eterno tédio da pós-morte e resta-me (aos ares de Cubas) apenas relembrar os meus tempos em vida. Me alivia, portanto, que não sejam muito complexos.
Acordava todo dia por volta das 6h00 e tomava café da manhã com minha esposa.
Às 8h00, chegava ao escritório, onde todos começavam a trabalhar.
Às 8h40, chegava o chefe, estressado, sempre.
Às 9h30, me encontrava com a Renata para um cafezinho. Ela me contava, entusiasmada, dos seus sonhos e projetos.
Às 12h30, saía para o almoço com o Jorge, e ele me reclamava dos problemas de família.
Às 14h00, o Marcelo costumava ligar, deprimido com sua vida amorosa.
Às 17h00, saía do escritório, ia para o bar com a Vitória e, entre cervejas, desabafávamos sobre nossas vidas.
Às 20h00, voltava para casa, reencontrava a família e assistíamos, juntos, a algum filme europeu desses meio cults.
Morri 6 meses atrás, numa terça feira, às 18h49 na cama de um hospital. Minha vida foi participar da vida dos outros.
Uma semana depois, foi meu funeral. Alguns compareceram, vários, até. Uma cerimônia bem padrão, com direito a todas as lágrimas que se esperam de um funeral comum. E durante algumas semanas (talvez até um mês), as pessoas lamentavam, de vez em quando, no meio do dia, a minha morte.
Resta-me agora olhá-las em morte. No nada da morte, só sobra observar os vivos. Peço perdão pela redundância com que seguirá o texto, caro leitor, mas, morto, perde-se a variabilidade da vida.
Todo dia, por volta das 6h00, minha esposa acorda e toma café da manhã.
Às 8h00, no escritório, todos começam a trabalhar.
Às 8h40, chega o chefe, estressado, sempre.
Às 9h30, a Renata toma um cafezinho. Ela conta para alguém dos seus sonhos e projetos.
Às 12h30, o Jorge almoça, reclamando dos problemas de família.
Às 14h00, o Marcelo liga para um amigo, deprimido com sua vida amorosa.
Às 17h00, a Vitória vai para o bar e, entre cervejas, desabafa sobre sua vida.
Às 20h00, na minha antiga casa, minha família assiste a algum filme europeu desses meio cults.
Morri 6 meses atrás, numa terça feira, às 18h49 na cama de um hospital. Minha vida continua. Só não faço parte dela.
Lucas A. Nakamura (3H2)