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26/09/2014

#Prata da casa #Produção de alunos

Publicado em 26/09/2014 07:00

Esteve durante todo o jantar com o olhar fixo na cadeira vazia do lado oposto da mesa. Ela estaria sentada aí, pensou. No início da noite, a euforia dos familiares e amigos ao seu redor deixara-o com a esperança de uma noite de embriaguez – literal, mas também psicológica e emocional, de esquecimento – ou imersão num estado prolongado de graça do qual se excluía o sofrimento. Por volta das dez, entretanto, toda a alegria alheia já lhe parecia excessiva, as gargalhadas causando-lhe náuseas.

No próximo eu vou, prometera-lhe ela após justificar-se por não ter ido à sua festa no ano anterior. Aquilo foi uma semana antes de os dois formalizarem o relacionamento, rendendo-se aos rótulos tão dispensáveis e tão necessários – Não é que eu te amo menos antes disso, mas como vou te apresentar pros meus avós? foi o argumento que ela usou pra convencê-lo do lado “necessário”. O que ela não sabia àquela altura, talvez, era que podia apresentá-lo como quisesse, na medida em que ele mesmo já acrescentava “minha namorada” depois do seu nome quando falava nela. O sangue circulava mais vigoroso nele quando dizia: “minha namorada”. Só se assustava, às vezes, ao perceber que enfatizara mais o “minha” que o “namorada”. O incômodo em atribuir o possessivo devia-se mais a uma noção inconsciente de que a posse é o único pré-requisito para a perda do que a alguma espécie de pensamento de natureza feminista – algo que ele certamente não admitiria, mesmo que sobre aquilo tivesse certeza.

… muitas felicidades, muitos anos de vida! Esboçando um sorriso nos lábios trêmulos, ia rasgando os embrulhos sem parar de fitar a cadeira vazia, Sensacional, Júlia!, Como você sabia, Edu?, Você lembrou do livro, Luana, você lembrou! e as pupilas imóveis. Sob o efeito do álcool, ninguém notou seu comportamento. Se notassem, atribui-lo-iam também ao álcool, embora ele tivesse bebido menos do que deveria.

Parabéns, querido, Até o ano que vem, Tudo de bom, que você merece! A generosidade dos outros ainda ecoa em sua mente quando acende as luzes da sala, chuta os sapatos que descalçou pra dentro do apartamento e tranca a porta sem muito ânimo. Chegou ao quarto quase que por inércia; ao achar-se em frente à cama, não conseguiu reconstituir o trajeto percorrido até lá.

Os lençóis ainda revoltos, a faxineira não passara por lá, Que faxineira? Atirou a camiseta e as calças no mesmo canto do quarto, pôs-se à frente do espelho, Não estou mal, estou? Não, estava bem, muito bem a propósito, o problema não era o físico, Qual o problema? Subiu na cama, hesitou alguns instantes com o dedo sobre o interruptor e acabou por deixar as luzes acesas e puxar o livro de cabeceira do criado-mudo. Leu um pouco e as pálpebras começaram a pesar, deixou o livro de lado e apagou as luzes. Esticou o braço para sentir o outro lado do leito, o lado gelado. Sentiu saudade do tempo em que sentia ali outro corpo – quente, necessário. Dedilhando o colchão, trouxe a mão para perto de si novamente e colocou-a sobre o peito. Só, ele teme a escuridão e detesta as noites. As noites são terríveis.


José Henrique Ballini Luiz, 2H1

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