O Palavrarte presenteia Fernando Pessoa, que hoje faria 126 anos, com os textos vencedores do “Concurso Fernando Pessoa 2014”. Parabéns ao poeta e aos alunos, também poetas!
1º lugar: “É Pessoas” – Lucas Nakamura – 3H2
–Observa com cuidado o que passa para o papel e tem cuidado para não passar mais do que aquilo que observa.
Tem paciência – o mestre. Paciência para ensinar o inapreensível. Paciência para professar a filosofia da não filosofia. A poesia sem a poética. E professa. É sábio – o mestre. Sábio que sabe exatamente o que precisa saber. Nada mais. Ou nada mesmo? É – o mestre. É aquilo que todos tentam ser. Sem tentar, é aberto, simples, harmônico, certeiro. Caeiro.
–Que de mim seja um poeta feito, mestre. Que já chega o fim de minha história. E chega. E que seja com poesia.
É devoto – o antigo. Devoto ao antigo, quase que cego, se vira e vê o passado. Devoto ao certo, que é certo, e não há como errá-lo. Devoto às letras, que derrama sem pensar. É antigo. Antigo de mente e de alma. Antigo que mente e que ama. Antigo que, devoto à Antiguidade, não se deixa esquecer do passado. Nostálgico, coroa o clássico e segue à risca suas leis. Reis.
–Socorro, mestre! Socorro! Que me matam suas palavras! Do que serve que me mandes esvaziar minha mente, se esta já está vazia? Não sobra mais nada que me salve do nada que sou! Socorro, mestre! Socorro! Que me matam as palavras!
É ansioso – o pobre humano. Ansioso pelo novo, pela frente, por tudo aquilo que não conhece e que não sabe. Por tudo. É ansioso, e essa ânsia sem amparo que angustia não anda. Para. É ansioso e sofre. E dói. Sufoca. É pobre, o humano. Pobre que sofre por ser humano. É humano e sofre na pobreza do que é. É nada – o poeta. É, entre prantos. Campos.
E é mais, muito mais, tudo que possa ser. É um, é vários, é mil. É tudo, diferente, mas é o mesmo. É infinitas vezes reles, infinitas vezes porco, infinitas vezes vil, paciente, sábio, devoto, pobre, humano, fingidor, sensível, artista. Poeta. E dentro de cada um de todos esses, dentro de todas essas Pessoas, só existe um. Escrevendo, sentindo, amando. Fernando.
2º lugar: “Outra versão de Lídia, a musa” – Gabriel Marques – 3H1
Lídia chegara em casa em uma manhã de sábado, estava cansada por causa da noite anterior, quando, ainda meio perdida em seus pensamentos mais internos, deparou-se com um bilhete que seu marido deixara em cima da mesa. A mensagem era clara apesar do vocabulário erudito, próprio de Ricardo Reis. Nele, o neoclássico despejava sua mágoa sobre a mulher:
“Lídia, demorastes para chegar em casa, não? Informaram-me, finalmente, sobre seu adultério com Álvaro de Campos, ocorrido há dois meses. Ademais, viram-te ontem com Alberto Caeiro à beira do rio em que nos conhecemos. Satisfizera-te? Estás feliz com tua decisão? De qualquer maneira, eu te disse que o correto, ou melhor, o mais plausível seria que não nos relacionássemos. Mas, tu insistiras. Naquele dia, à beira do rio, quando te convidei para pensar, tu aproveitaste do meu corpo de Hércules e rompeste meu equilíbrio interno. Eu me apaixonara. Lídia, Perséfone dos tempos modernos, traíste-me assim como a mulher de Hades costumava traí-lo. Consoante o que já previ à beira do rio, tu quebraste minha harmonia e, por isso, saí de casa. Não sei se retorno. Aproveite bem tuas aventuras porque a vida é efêmera, minha amada.
Adeus,
Ricardo Reis”
Lídia continuava serena como sempre fora, mesmo depois de ler o bilhete. Fora tomar banho e o largou ali mesmo. Enquanto se banhava, pensava no que acabara de ler: a mensagem que lhe fizera lembrar-se de uma noite de quinta de dois meses atrás. Ela se lembrava dos toques exaltados de Álvaro de Campos naquele espaço fabril. Como fora bom sua aventura por entre as máquinas. Aquele barulho contínuo, os holofotes acesos e o brilho metálico, tudo que Álvaro enaltecia deixava a situação cada vez mais prazerosa. Mas, o prazer, como tudo na vida, fora efêmero. Logo após o ápice, uma tensão se espalhou pelo ar. Álvaro acabara de perceber, ao olhar a aliança no dedo da moça, que cometera adultério. Isso lhe deixou em crise. Além da decepção consigo mesmo, Álvaro ficava cada vez mais angustiado. Os textos de exaltação que costumava escrever tornaram-se, em questão de semanas, textos com um aspecto pessimista. Ele tornara-se pessimista, questionando sempre sua existência e duvidando de seu papel na sociedade. Ela fora um grande mal para ele. No entanto, ele fora um de seus maiores prazeres.
Lídia, de volta ao mundo concreto, saíra do banho, comera alguma coisa e depois se deitou. Deitada, voltara a pensar no que pensava antes de ler o bilhete: a noite anterior, noite de sexta. Encontrara-se com Alberto Caeiro, próximo ao rio onde ela seduzira Ricardo, com o pretexto de observar a natureza. Contudo, o desfecho foi uma cena intensamente sensual. Como, para ele, pensar era uma doença, não haveria arrependimentos. Alberto aproveitou o momento através de todas as sensações possíveis. O cheiro de terra molhada à beira do rio despertava seu olfato; o “olho no olho” lhe deixava mais empolgado; os sons que saíam da linda boca da moça lhe davam prazer; o beijo, delicadamente selvagem, deixava-lhe um sabor gostoso nos lábios; e, por fim, o roçar dos corpos lhe causava uma sensação de êxtase. Todavia, depois do clímax, quando ela descansava em seus braços, ouviram passos de alguém se aproximando. Vestiram-se rapidamente. Alberto se retirou, depois de uma indelicada despedida. No entanto, Lídia decidiu esperar, pensava que tudo aquilo ali podia ser interessante. Deparou-se com um homem mascarado, mal dava para ver seus olhos. Ainda sim, ela sentiu algo ao trocar olhares com o moço. Depois de algum tempo ali parada, decidiu correr. Fora embora.
Lídia, fugindo um pouco do mundo subconsciente de suas lembranças, apagara o abajur localizado no criado-mudo ao lado de sua cama e, logo em seguida, adormeceu. Sonhava com alguém que não era nem Ricardo, nem Alberto, nem Álvaro. Era o mascarado. No sonho, ela o via escrever poemas. Escrevia chorando. Ele parecia romântico, parecia sentir. O quarto estava escuro, mas ele sentiu a presença de Lídia. Levantou-se abruptamente, ainda escondendo o rosto, pegou-a pela cintura e começou a despi-la. Gostava de senti-la, assim como Alberto Caeiro. Ao mesmo tempo, sussurrava nos ouvidos da musa frases sensualmente sofisticadas, do mesmo modo que Ricardo Reis costumava fazer. No entanto, no meio das sensações, sua consciência pesava. Ele era pensante como Álvaro de Campos e estava tão angustiado quanto. Lídia amava tudo isso. Sentia um prazer imenso. Afinal, ele tinha todas as características que ela gostava nos seus dois amantes e no seu marido. Nesse momento, as máscaras dele mudavam. Ora ele era um, ora era outro. Às vezes, os três!
Já estava tudo muito confuso até que o despertador tocou. Lídia acordara feliz. Ela sorria. Amava-se e amava o homem encantador de seu sonho. Banhou-se e arrumou-se para trabalhar. Pegou o bilhete que deixara na mesa, amassou e jogou fora. Pegou um pouco de vinho e tomou. Comeu um pão e saiu. Saiu pensando no sonho. Na pessoa. Sem saber, em Fernando. Fernando Pessoa.
3º lugar: “Qual Pessoa virá?” – Ana Luísa Braga / Joany D’Ávila – 3B1 – e “Pessoa Fernando” – Guilherme Tavares – 3E1
“Qual Pessoa Virá?” – Ana Luísa Braga /
Joany D’Ávila – 3B1
Ó pátria!
“De um povo heroico um brado retumbante”
Quanto do teu suor
Molha os gramados
Grama dos de grana
Grama dos de gana
Com ciência engana o inconsciente
Copo dos Copos
De corpo frágil e in
acabado
Finge ser o melhor
Uma taça
Abriga veneno
Embriagando turistas
Ricardo Reis
Noite de abertura
Primeiro alvo
Na caça da musa
Lá perto da Augusta
Encontra inspiração
Na peruca do Robertão
Alberto Caeiro
Segundo alvo
Susto
Cadê as árvores? Os rios?
Só sinto soja
Só sinto gado
Sucinto ser
É ser humano
Tá chovendo seca no sertão
Melhor pensar positivo
Terceiro Álvaro
Tentando existir
No Copo procurou solução
Saturada? Insaturada? Ou com corpo de chão?
Em pleno devaneio
Não viu cair o Copo do balcão
Lá se vai sua dose de realidade com limão
Só deu pra ver os cacos de angústia
Espalhados pelo salão
Hão de ver que o Brasil não tem Sebastião?
Será que o suor gasto poderia ter sido água?
Será que vale a pena?
Será? Sei lá! Não sei aqui
Tudo vale a pena
Nada leva o canarinho
“Pessoa Fernando” – Guilherme Tavares – 3E1
Fernando falso fingidor
Facultou fajutas facetas fanáticas
Fecundou fictícios fundamentalistas ferrenhos
Fundiu filosofias fascinantes, fenomenais
Farsante? Falacioso? Febril?
Figura fértil, fervorosa, fantasmagórica, fulgurante
Festejou ferramentas futuristas fabris
Fez-se fantoche da fortuna
Filtrou fisicamente fenômenos factuais
Flexível flâmula fluida com fôlego faminto por frenéticas formas
Fraudulento Fernando?
Fernando fantástico!
Pessoa pagão poeta português
Paladino perpétuo da pátria
Pastor do particular patrimônio pensante
Pioneiro em pluralizar personalidades de predicados problemáticos
Possuidor de portfólio pretensioso
Pernicioso
Proclama provoca propõe pragueja
Profano professor!
Patologia? Passatempo? Paixão? Profissão?
Piedade poeta!, peço perdão por possível petulância
Porém permaneço pasmo pensando
Por quê?