“A alguns quarteirões da minha casa, mora, em uma construção repleta de estranhos que vestem branco, um rei. Rei, agora, só de nome e de memória. Isso porque lhe abandonaram as asas, tanto do pensamento, que permitiam o alcance de alturas extraordinárias, quanto as que tomavam forma física e sustentavam seu peso. O ex-rei passa os dias, portanto, sentado em um trono de rodas construídas com um sentimento amoroso encharcado de lástima, de ombros cobertos por uma capa esfarrapada, remanescente dos dias de glória que conheceu em um passado agora imensamente distante. Distância, esta, a mesma que separa, atualmente, seu corpo e a sua mente. Mesmo assim, por pura teimosia, chamei pelo seu nome da última vez que nos encontramos. Chamei por ele, e sua visão atravessou-me por completo, como se eu não estivesse ali, assim como o som da minha voz reverberou como se ele mesmo também não estivesse sentado à minha frente. Mais tarde, as lágrimas que o rei não mais verte brotaram nos meus olhos e umedeceram as minhas bochechas ainda rosadas. Afinal, recair a visão sobre ele é transpassar o próprio coração com a convicção do quão vulnerável, efêmera, é a condição de realeza imortal na qual acreditamos viver; e do quão catastrófica será a inevitável queda desse pedestal.”
Luísa Helena (3H2)