Cinco da tarde. Estação Jabaquara do metrô. Linha azul.
Eu, um rapaz de pouco mais de 21 anos, razoavelmente apessoado, inegavelmente inseguro, de uma família não tão bem estruturada, e incrivelmente azarado, lutava contra os golpes das mochilas, as pisadas no pé e todos os empurrões que qualquer vagão de metrô tem para oferecer no horário de “rush”.
Aquele era o pior dia minha vida. Meu namoro havia acabado. Eu tinha esquecido de pagar o aluguel do meu apartamento minúsculo do Centro. Queria largar o curso de Direito e prestar Artes Plásticas. E o pior: meus cadarços estavam desamarrados em plena estação de metrô, às cinco da tarde de uma quarta-feira.
“Próxima estação: São Judas.”. Passei duas paradas inteiras encarando meus sapatos e pensando por que os havia comprado, eu já tinha suspeitado que eles poderiam acabar furando durante um dia chuvoso no meio da Vila Madalena ou machucando meu calcanhar esquerdo durante uma caminhada no parque Vila Lobos, mas nunca, nunca que eu os imaginaria desamarrados em plena estação São Judas. Se eu ao menos tivesse escolhido as alpargatas ao invés dos tênis, ou quem sabe, os sapatos vermelhos e não aqueles brancos que, por sinal, já me pareciam cinza.
Estação Paraíso. Foi bem ali que aconteceu, eu juro. Aconteceu diante das portas do Paraíso (que mais parecia a fila de espera do juízo final). Ela era ruiva, parecia ter por volta de uns vinte anos, estudante de Letras talvez, apaixonada por MPB, apreciadora de Dalí… fosse lá o que fosse, bastava. O que mais eu poderia pedir de uma quarta-feira-pior-dia-da-minha-vida? Passei os cinco minutos seguintes completamente inquieto, eu desceria dali a duas estações e poderia passar aqueles minutos conversando sobre a noiva do cowboy do Chico, as Miçangas do Mia Couto ou os relógios do Dalí, mas os malditos cadarços desamarrados estavam sendo pisoteados pelo senhor em pé na minha frente. Tantas estações de metrô, tantos vagões, tantas quarta-feira… E os meus tênis resolveram desamarrar exatamente ali.
Estação São Joaquim. Algumas cadeiras do vagão ficaram livres, permitindo que o senhor grisalho que fazia de refém meus movimentos se sentasse, livrando-me de qualquer limitação motora. Respirei fundo. Essa era a última chance, eu desceria na estação seguinte. Calma. Tomei coragem e… a ruiva havia sumido. Sim, consegui perder uma moça de cabelos vermelhos num mero vagão de metrô com a mesma facilidade com que perco moedas de 5 centavos. Eu, de fato, era o cara mais azarado do mundo.
Vergueiro. Finalmente em casa. Saída pelo lado direito do trem. Soltei a barra que me serviu de apoio durante todo o trajeto e me encaminhei para a porta. Um passo para fora do trem… Escorreguei. Ouvi alguém rir atrás de mim do jeito mais incessante possível, creio que nunca tenha visto ninguém rir com tanta vontade. Não resisti, olhei para trás rapidamente, na esperança de vê-la ali (ela mesma). Lá estava: Minha ex namorada. Você realmente acreditou que os cadarços desamarrados poderiam resultar em sorte? Aquele era o pior dia da minha vida.
Maria Vitória Vidal (3H3)