Eu estava andando pela rua quando um estranho me reconheceu, cumprimentei-o, tentando não deixar pistas de que não me lembrava de conhecê-lo.
Ele sabia o meu nome, sabia onde eu morava quando era menor, sabia quais eram as minhas brincadeiras favoritas. Conversamos por muito tempo, sempre relembrando a gostosa infância que tivemos. E mesmo assim, eu não conseguia me lembrar deste amigável estranho.
Ele por fim cansou-se da nostalgia, olhou para os lados e disse que que sabia que eu fazia aulas de teatro, e comentou que organizava uma peça, perguntando, ao final, se eu gostaria de fazer parte do espetáculo.
Aceitei a proposta, e pedi que me mostrasse o roteiro. Ele teve ideia melhor, fomos a um teatro velho, porém conhecido e frequentado, lá havia um cartaz com o nome da peça.
Espetáculo: Não Existem Erros
Uma semana de ensaios depois, a peça estava pronta para a estréia, meu amigo me enviou as datas: meia noite da próxima sexta-feira.
Me perguntei quem veria a peça em um horário tão inoportuno.
Cheguei um pouco antes do horário, haviam poucas pessoas na rua, talvez apenas moradores de rua e usuários de drogas, evitei-os e entrei no teatro, tão negro quanto a noite lá fora.
Meu amigo acenou no camarim, coloquei as vestes da peça, entraria no segundo ato.
Esperei, ouvi aplausos, risadas, ouvi até algumas fungadas melancólicas, os outros atores devem ser bons, estranho, nunca os vi nos ensaios, somente o meu amigo, estou ansioso para conhecer os atores.
Vi meu amigo entrar no Camarim, era hora do show, entrei no palco confiante e radiante, era a minha hora de brilhar.
Porém não haviam outros atores no palco, não havia cenário, a platéia estava vazia, os bancos estavam todos preenchidos pelo vácuo.
Olhei confuso para o “amigo” lembrando que a poucos dias atrás ele era um estranho, ele acenou com a cabeça, pedindo que eu seguisse o roteiro.
Interpretei minhas falas, fiz uma série de sinais com as mãos e citei uma frase antiga, que seria dificilmente entendida nos dias atuais.
Só se ouvia o som do meu eco, minha fala chegara ao fim, eu agora esperaria o protagonista me dizer algo.
Mas não havia protagonista, meu amigo havia pregado uma peça em mim.
Minha pose de glória se desfez, encarei meu amigo, eu estava irritado. Perguntei o que era aquela zombaria sem sentido.
Meu amigo me olhou profundamente, e disse:
“Interprete direito, ainda há chances de eles não terem visto isso”
Agora assim eu estava irritado, olhei para os acentos vazios e tornei a olhá-lo.
“Não tem ninguém aqui!”
Senti meus pés formigarem, e vi um desenho estranho no chão onde eu pisava, será que já estava desenhado quando cheguei?
Tornei a olhar aquele que me trouxe a este lugar, ele me fitava com raiva, mas isso não era o pior, o protagonista apareceu, seus olhos eram negros, vazios, sua expressão era de choro, porém havia um sorriso ensaguentado em seu rosto, seu pescoço estava virado, como se o tivessem torcido até a morte.
Meu coração parou, e desviei o olhar para a platéia.
O lugar estava cheio, as pessoas na primeira fileira eram iguais ao protagonista, porém mais atrás haviam seres quase humanos, de olhos esbranquiçados e pele pálida como de mortos, suas mãos em constante movimento, mexiam-se como se estivessem em stop-motion, bem rápido, como se estivessem convulsionando, lembrando animações bem antigas, insetos saíam de suas extremidades, pele caia de seus corpos apodrecidos, seus pescoços viravam para a direita e para a esquerda, porém seus olhos nunca saiam de mim.
Atrás deles ainda havia mais uma fileira, pessoas nuas, seus rostos contorcidos em expressões de dor e agonia, tossiam e choravam sangue, como se estivessem explodindo por dentro.
Olhei horrorizado para o meu amigo, e ouvi uma voz grossa soar no ar:
“Não existem erros neste espetáculo”
Meu amigo apareceu do meu lado e pousou as garras negras no meu ombro, perfurando-o.
“Eu avisei”
Rafaella Milani Santos, 1C2