Família sofre acidente e é esquecida nas ferragens por bombeiros e policiais
Ao ler uma manchete como essa (publicada no jornal O Estado de São Paulo, de 20/04/2013, grifo nosso), é bastante provável que os leitores tenham duas reações imediatas: sintam pena das vítimas e raiva de quem deveria ter prestado o socorro, mas não o fez por esquecimento.
A cena que nos vem à mente é que policiais e bombeiros viram as pessoas acidentadas, e, por algum motivo desconhecido e que só a leitura da notícia será capaz de explicar, não se lembraram de socorrê-las, certo? Isso porque, para nós, falantes do português, “esquecer” algo significa que “deixamos escapar de nossa memória algo de que já tínhamos conhecimento”, portanto só nos esquecemos daquilo que já conhecemos.
Então, voltemos à notícia para entender o que houve:
O acidente ocorreu na noite de quinta-feira, em um ponto íngreme de mão dupla da rodovia. O motorista da carreta, Samuel Silva Viana, de 42 anos, que é de Taboão da Serra, afirmou à Polícia Rodoviária que perdeu o freio e acabou caindo no barranco, de cerca de 10 metros de altura, sem perceber que havia arrastado outro veículo, que vinha no sentido contrário.
A Polícia Rodoviária e os bombeiros foram até o local atender a um chamado de tombamento de carreta e resgataram o motorista do caminhão, com vida. “No resgate acharam um capacete. Acreditaram que podia haver uma moto com vítima, fizeram buscas, mas a iluminação era precária. O mato era muito alto e não viram o carro debaixo do caminhão. Ligaram no hospital e o motorista disse que o capacete era dele”, explicou o comandante dos Bombeiros.
Ora, se policiais e bombeiros não viram as vítimas, se não tinham conhecimento da existência delas (e aqui não se está tratando dos motivos de isso haver ocorrido), não se pode dizer, de forma alguma, que eles se esqueceram das vítimas.
O jornalista, ao criar a manchete usando o verbo “esquecer”, leva o leitor a uma compreensão errada dos fatos e cria uma falsa imagem a respeito dos personagens retratados. Se ele não agiu por má fé, revelou um total desconhecimento de sua ferramenta básica de trabalho: a língua portuguesa.