Por Alberto Komoguchi, 3E1
“É impossível dissociar História e Literatura. Esta, de alguma forma, sofrerá influência daquela. Muitos, porém, ignoram que, justamente por estarem tão intimamente ligadas, a literatura tem enorme poder de facilitar, complementar ou até possibilitar o entendimento da História. A Ilíada e a Odisseia, de Homero, são exemplos clássicos. Quase tudo que se sabe de um período da história grega de cerca de 400 anos depende, praticamente de forma exclusiva, dessas duas obras literárias. Não por acaso os historiadores sempre buscam relatos escritos quando desejam conhecer a história de um povo.
O alcance da literatura na compreensão da História, porém, vai além. Para compreender a história de um povo, de um país, de uma civilização é necessário, antes de tudo, compreender sua cultura. A literatura é muitas vezes a forma mais simples e eficaz de fazê-lo. Não raro, é também a mais agradável. Que forma melhor de conhecer, por exemplo, a cultura árabe do que deliciar-se com as Mil e Uma Noites? Ainda que este, à primeira vista, pareça ser um livro puramente fictício e narrativo, nele estão contidos os germes de muitos dos valores que norteiam o mundo árabe, e conhecê-los pode ser essencial no entendimento de seu contexto atual.
Há casos, ainda, em que a literatura serve como meio de se conhecer não só a cultura, como também a própria história. Trata-se de livros em que o enredo gira em torno de um acontecimento histórico. São ótimos exemplos obras como Guerra e Paz, de Liev Tolstói, que descreve a campanha de Napoleão na Rússia; e Os sertões, de Euclides da Cunha, e Veredito em Canudos, de Sándor Márai, que narram a Guerra de Canudos. A leitura de textos literários como esses torna o entendimento do fato histórico em questão muito mais fácil, na medida em que se cria, ao seu redor, uma narrativa, uma estória, que possui um poder de envolvimento maior do que relatos simplesmente descritivos.
Merecem destaque também livros que buscaram expor os anseios da sociedade de uma determinada época. Para ficar apenas com um exemplo, tem-se A Geração da Utopia, do angolano Pepetela. Nele há não só os desejos da sociedade, como décadas da história e cultura de Angola. Sua leitura pode ser indispensável para compreender a situação desse país, que é hoje um dos que apresentam pior IDH e maior crescimento no mundo.
Mesmo quando a História não é o assunto principal, ela sempre estará presente, servindo como pano de fundo no enredo de obras literárias. É o que ocorre, por exemplo, com o fenômeno da “jagunçagem” em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Nele, esse movimento serve justamente como pano de fundo para o desenvolvimento da estória de amor e vingança que protagoniza a personagem Riobaldo. Com a leitura desse livro, não só fica-se conhecendo esta que talvez seja a obra máxima da literatura brasileira, como também se compreende com considerável profundidade a figura do jagunço.
Assim, estando ou não a História em primeiro plano, a literatura apresentar-se-á como ferramenta valiosa na compreensão dos movimentos históricos e das mudanças pelas quais as sociedades passaram ou passam. Isso porque, ao contrário da abordagem objetiva presente nos livros de História, nos textos literários tem-se uma aproximação subjetiva. Ou seja, fica-se conhecendo não só o que fez a sociedade numa determinada época, mas como ela pensava, como se sentia, suas impressões sobre a própria sociedade, suas ambições, seus conflitos, seus ideais. Abandona-se o plano meramente conceitual e verifica-se como tudo isso se deu ou se dá na prática.
Por meio da leitura de Kawabata Yasunari, Tanizaki Jun’ichirō e Natsume Sōseki, por exemplo, é possível entender como a sociedade japonesa lidou com a ocidentalização e modernização de seu país. Embora nenhum desses autores tenha escrito diretamente sobre esse processo histórico, ele permeia suas obras: a oposição entre tradicional e moderno, oriental e ocidental, e os modos encontrados para se adaptar à abertura do país aos valores americanos e europeus estão, de alguma forma, presentes. Indo um pouco adiante no tempo, através de livros de escritores contemporâneos, como Ōe Kenzaburō e Murakami Haruki, já é possível observar um Japão globalizado. Principalmente nos livros desse último autor, percebe-se claramente um universo pop, cheio de dinamismo, condizente com o contexto atual japonês.
A literatura pode, além disso, servir como forma de ver o mundo de outra forma, sob outra perspectiva. Muitos, por exemplo, ao se depararem com um livro sobre os campos de concentração, já têm uma ideia pré-concebida do que vão encontrar: relatos das atrocidades cometidas pelo regime nazista, das câmaras de gás, dos incineradores. Esperam um texto emocional que fale de injustiças, tristezas. Poucos, porém, sabem, ou sequer imaginam como era a vida diária daqueles que (sobre)viviam nesses lugares, seu cotidiano. A literatura está aí também para isso: para contar o que não está nos livros de História. Assim, que forma melhor de descobrir do que lendo o relato de Primo Levi, em que é narrada sua estadia em Auschwitz? Ou ainda, que tal ler Imre Kertész, que, pasmem, escreveu em Sem destino sobre a felicidade nos campos de concentração?
A literatura é, enfim, talvez o melhor meio para se conhecer e entender a História. E, se não for a melhor, é, sem dúvidas, a mais prazerosa.”