Embora as as aulas sobre o nazismo tenham terminado há umas três semanas, o tema ainda repercute. A Angela (3H1/5) mandou uma resenha de umas duas páginas muito bem escritas sobre o filme para TV God On Trial, que tem o Holocausto como pano de fundo. Aí eu disse a ela que duas páginas eram demais. Então ela reduziu, mas o texto continuou incrível. Quem gostar do resumo, peça a ela o texto original.
“Filmes de Guerra não faltam. No entanto, God on Trial causa – com muito menos pirotecnia – mais impacto do que a grande maioria. De 2008, trata-se na verdade de uma peça feita para televisão e filmada pela BBC. Não há mudanças radicais de cenário, nem efeitos especiais. Todo o desenrolar da história se passa em um barracão de Auschwitz onde seus ocupantes decidem, nas poucas horas que lhes restam antes que metade do grupo seja mandada para a câmara de gás, julgar Deus. Ele é acusado de quebra de contrato, já que teria feito um pacto com os judeus e depois os abandonado à própria sorte. O par central é formado por Mordechai, um jovem judeu que culpa Deus pelo holocausto, e seu pai, o tradicionalista Khun que crê que, ao duvidar da vontade divina, o filho estaria descumprindo o lado humano do acordo. É possível conhecer a mente de Deus? Não, mas tampouco é necessário ler a mente de alguém para saber se houve ou não quebra de contrato. O holocausto, as inundações e pragas do Egito são colocados ora como punição, ora como indiferença e até crueldade da parte divina. O argumento de que os judeus sobreviverão é o suficiente para afirmar que se trata de uma purificação? God on Trial não é, no entanto, um filme sobre religião e tampouco um filme de guerra. Trata-se de um filme sobre a guerra e o que ela faz às pessoas levadas a uma situação extrema, sobre o irracionalismo que é o preconceito que agrupa indivíduos distintos como um único bloco cinzento. Pois não é no veredicto – que eles atingem após um discurso inflamado e surpreendente do rabino do grupo – que está a grande força do filme. É nas histórias daqueles homens tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais, homogeneizados pelas cabeças raspadas e os uniformes listrados, contadas num ritmo de crescente tensão enquanto esperam seus destinos – na forma de um oficial nazista – bater à porta e decidir em um instante o seu futuro, ou a falta dele. É na percepção de que os critérios de seleção de quem era indesejável passava muito longe do branco e preto. Ortodoxos misturam-se com aqueles que não agem, falam ou parecem judeus, como o físico Jacques. O alemão Baumgarten não é judeu. Em seu monólogo final, ele resume o horror dos campos de extermínio de Hitler. ‘Não sou judeu. (…). Meus filhos se juntaram a Juventude Hitlerista. No ano passado, quando a Gestapo veio, foi a primeira vez que eu soube sobre minha origem. Eu achava que fosse um alemão normal… Eu era um alemão, um que odiava judeus. (…) Nunca tinha ouvido uma palavra da Tora antes de vir para cá. (…) Eu cresci ouvindo que os judeus eram imundos, desonestos e desorganizados. E quando eu vim para cá [Auschwitz], tudo que eu acreditava era verdade. Esse lugar é caótico, imundo e desorganizado e eu achei que fosse por causa dos judeus. (…) Você acha que é algum erro? Acha que um engenheiro alemão não colocaria esgoto suficiente por engano? Nada aqui é acidental. A sujeira é parte do sistema tanto quanto as cercas, e… o outro equipamento. Está aqui para levar embora sua dignidade, sua humanidade. (…) Para mandar os alemães nos matarem, eles tem que primeiro mostrar a eles que nos somos o que um alemão normal é ensinado a acreditar que somos: sujos, desprovidos de moral e Deus. Quando você chegou aqui, tiraram sua propriedade, seu nome, cortaram seu cabelo, tiraram suas crianças, esposas, mães. Ate as obturações dos seus dentes. Tudo que o fazia um homem foi levado. (…)’. Conclui, pedindo para que os outros dois juízes não deixem os nazistas “levarem seu Deus também. Deixem haver alguma coisa que eles não possam tirar de vocês. De nós.” Quando os guardas e o médico irrompem dentro do barracão, lendo os números dos selecionados para morte, um dos mais jovens se desespera: ‘E agora, o que fazemos?’. O rabino, calmamente, responde: ‘Agora, nós rezamos’.”