O texto “Gente diferenciada”, da autora Judith de Brito, mãe do aluno Mateus Brito, do 6º ano E, toca num assunto muito importante nos dias atuais: a questão do preconceito. Tratando desse assunto a partir do seu próprio cotidiano, a autora nos leva a refletir sobre essa questão. Boa leitura !
Profª Daniela, 6º ano do E. Fundamental
“Gente diferenciada
Recentemente, logo pela manhã, desci pelo elevador de serviço do meu prédio, paramentada de executiva, a caminho do trabalho. Ao entrar, dei bom dia a uma mulher de meia idade, vinda de algum andar superior ao meu. Ela respondeu efusivamente e, ao contrário da “conversa de elevador” de sempre – algo sobre o tempo, o calor ou o frio -, fez, toda sorridente, um comentário inédito: “Nossa, a senhora me tratou bem, até me cumprimentou”. Não entendi o que ela queria dizer e fitei-a com curiosidade. Pelo uniforme, tratava-se de uma diarista ou empregada doméstica, uma mulher de belos traços e olhos muito azuis. Estivesse bem vestida e tratada, passaria fácil por madame.
Ela então me explicou: “Tem pessoas aqui no prédio que ignoram a gente, e não respondem quando damos bom dia”. Diante de minha surpresa e, talvez, constrangimento, ela completou: “Sem contar o dia em que peguei o elevador social, porque o de serviço estava quebrado, e um senhor que desceu junto foi reclamar com o zelador…”
Aquela mulher tinha razão. Lembrei-me das caras de surpresa de alguns moradores numa manhã em que encontrei com Elisa, minha assessora doméstica, na portaria do prédio – ela chegando e eu saindo pro trabalho – e nos cumprimentamos como sempre, com um beijo e um papo rápido a respeito de sua elegância, vestida com uma roupa que eu havia lhe dado de presente. Parêntesis: Elisa é uma mulata quarentona, bonita e muito, muito simpática, dentes alvos num sorriso de orelha a orelha. Mas o melhor dela é o bom humor eterno. Pensando friamente, Elisa teria muitas razões para estar em permanente TPM: vários filhos para criar, horas de ônibus e metrô para ao trabalho e voltar para casa, perspectivas não exatamente animadoras etc. Mas ela deve ter sido privilegiada pela natureza com uma extraordinária capacidade de produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pela sensação de felicidade. Depois de horas no ônibus, ela é capaz de chegar para trabalhar, linda e loura num salto alto, comentando sobre o sucesso que fez, como se sentiu observada e atraente. E ao chegar em casa, à noite, encontro seus bilhetinhos na bancada da cozinha: “Fiz o serviço com muito amor. Jesus te ama”. Uma lição de vida, a Elisa, dessas que fazem bem à alma, que nos fazem acreditar na humanidade. Bem diferente de alguns (poucos, ainda bem!) que, do alto de sua condição confortável, exibem seu mau humor – e seu vergonhoso preconceito – logo cedo, no elevador.
Nossa sociedade estratificada inclui bolsões de um conservadorismo desumano, constrangedor. São pessoas que, por disporem de alguns recursos materiais ou status profissionais, de alguma forma se acham superiores aos menos providos ou, genericamente, aos que são diferentes, ou aos que têm opiniões diferentes. A Internet tem dado vazão a manifestações preconceituosas quanto a migrantes, gays e outras minorias.
Se não por observância aos já consagrados princípios iluministas, que rezam sermos todos iguais, deveriam prevalecer então os ainda mais antigos preceitos religiosos: nosso dever de amar uns aos outros – ou ao menos, respeitar. Como disse Guimarães Rosa, esse é um mundão velho sem porteira. Nele, deveríamos nos empenhar em criar pontes, não barreiras.
Judith de Brito”