Memória seletiva (capítulo 1)

Publicado em 19/03/15

O homem acordou com dor de cabeça e tontura. “Deve ser mais uma puta ressaca” pensou. Olhou para o criado mudo, que estava a direita e viu um bilhete carinhoso de sua mulher: “Amor, ontem foi muito bom. Fui para o trabalho e volto tarde, cuide da casa e descanse.”, “Estranho” pensou o homem “Acordo com uma ressaca destas e há um bilhete carinhoso de minha mulher na cabeceira da cama.”. Ainda tonto, levantou e tentou caminhar até o banheiro escorando-se nas paredes, após alguns tropeços e a queda de um quadro, chegou e apoiou-se na pia. Olhou o próprio rosto, olheiras enormes e barba por fazer. Pigarreou e tossiu, cuspiu catarro na pia e decidiu tomar um banho. Começou a procurar por sua toalha, “Onde eu deixei a toalha ontem?“ se perguntou. Encontrou-a pendurada por cima do box, seca e áspera. Sem perder mais tempo despiu-se da bermuda e da cueca e entrou no banho. Deixou a água morna cair e escorrer lentamente seu corpo sem se preocupar com nada. “Como faz bem um bom banho” refletiu “Quem sabe até me cura dessa ressaca”. Pegou seu xampu e lavou seus cabelos, em seguida enxaguo-os. Ensaboou-se pensando “Mas o que eu fiz ontem? Claro, devo ter bebido, senão não estaria de ressaca, mas o que eu fiz?”. Saiu do banho, enxugou-se ainda tentando se lembrar do que tinha feito na noite anterior. Obviamente, sua esposa esteve com ele e divertiu-se. “Será que fomos a alguma festa?” tentou pensar. “Mas eu não me lembro de festa alguma, será que fizemos algo só nós dois?” tentou relembrar. Impossível se lembrar. Sua cabeça girava e parecia que ia explodir. Sentiu que caía, mas logo se apoiou novamente sobre a pia. Acabou de secar-se e voltou ao quarto, um pouco menos tonto. Vestiu-se simplesmente, camisa de algodão branca, bermuda esportiva velha e, claro, uma cueca nova. Saiu do quarto e foi ao corredor, passando pelas duas outras portas do corredor, uma do banheiro e outra do quarto que era usado como escritório. Pensou em tentar trabalhar “Mas só depois de uma boa refeição… E se esta ressaca estiver melhor”. Passou pela sala, que estava em perfeita ordem, e entrou na cozinha. Para seu espanto, a cozinha estava um pouco desordenada “Hoje deve ser sábado ou domingo, já que a faxineira não veio” raciocinou. Não sabia o que comer, sequer se havia comida. Ainda com tontura, abriu a geladeira, pegou maionese e alguns frios, um pacote de pão de forma e fez algo que no momento poderia ser chamado de sanduíche. Com o sanduíche sobre um guardanapo na mão esquerda e a mão direita pondo pó de café na cafeteira voltou a pensar “Mas que diabos eu fiz ontem?”. Ainda sem se lembrar, sentou-se no sofá da sala, pegou o controle remoto e ligou a televisão. Após ligá-la zapeou entre vários canais, e parou em um de noticiários. O noticiário narrava um crime horrendo, quando o homem ouviu a cafeteira fazer o barulho que indicada o término do processo. Levantou-se pensando brevemente no caso que vira na televisão e pegou seu café. Retornou ao sofá e sentou-se novamente. O apresentador do noticiário narrava: “Após uma grande festa ontem a noite cerca de vinte pessoas foram sequestradas e mais de cinquenta estão desaparecidas, mais detalhes com a nossa repórter, direto do local do crime!” a repórter continuava: “A polícia descobriu que após uma festa realizada neste prédio ontem a noite quase todos convidados desapareceram misteriosamente, exceto alguns que trabalham na mesma empresa”. Sua cabeça girava, aquilo tudo lhe parecia familiar. A rua, o prédio, tudo em volta da repórter lhe parecia extremamente familiar. “Besteira,” pensou “Deve ser o álcool que ainda está no sangue”. Mesmo querendo comer e esquecer a notícia o homem continuava atento aos detalhes do telejornal: “A polícia não tem pistas e os convidados que tem sua localização confirmada estão sendo levados para a delegacia central da cidade, onde provavelmente prestarão depoimentos”… O homem questionou mentalmente “Mas como assim a polícia não tem pistas?”, o repórter continuava “O caso todo é muito estranho, parece que houve uma comemoração sem razão e os convidados não deixaram o prédio, pois muitos dos seus veículos continuam na rua”. O homem observou cada um dos veículos mostrados pela repórter e realmente perturbado se perguntava “Esse lugar me é muito familiar, mas quando e porque estive aí?”.

Thomas Wang, ex-aluno (2013)

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