Você tem vovó?

Publicado em 30/10/13

             Aproximadamente há nove anos, meu primo Lucas viajou com nossos avós para o litoral. Com pouco mais de cinco anos, ele fez amizade com outras crianças que também aproveitavam as férias com suas famílias em uma pequena pousada. Numa conversa que meu nono (“avô?” em italiano) observava e depois me contou, Lucas ouvia dos demais amigos frases ostentativas do tipo: “Tenho tal video-game, você tem?”, “Tenho esse carrinho e aquele brinquedo. Você tem?” Meu primo olhava inocentemente e, num instante, tirou a chupeta da boca e disse: “E você tem vovó?”.História simples e significativa como esta faz pensar em como a sociedade vem se preocupando cada vez mais com o “ter” do que com o “ser”. A candura de Lucas captou algo como: você pode ter milhões de coisas materiais, brinquedos, video-games, mas você tem vovó? Você dá valor à família? Você aproveita as coisas simples da vida?

            Como escreveu Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha de São Paulo, no artigo “A inveja dos outros”, “Nesse mundo, o ter é mais importante do que o ser, apenas porque à diferença do ser, o ter pode ser mostrado facilmente.”. Sem dúvidas, o “ter” pode ser mostrado muito mais precipitadamente do que o “ser”. Demora um longo intervalo de tempo para se conhecer alguém, para julgar seus valores ou seu caráter. Porém, num segundo, os bens materiais de alguém podem causar marcante primeira impressão. As pessoas parecem tão desesperadas para “impressionar” o próximo em função de conseguirem mostrar sua superioridade, suas conquistas, tão ansiosas para criar uma imagem positiva de si mesma s, que apelam para o exibicionismo de seus pertences. No entanto, isso só faz com que as relações fiquem cada vez mais e mais superficiais e os valores importantes passem despercebidos. É um ciclo vicioso: quanto mais procuram melhores relacionamentos, mais querem impressionar as pessoas, mais apelam para a exibição de seus bens materiais, mais se tornam pretensiosos e fúteis.

              Outro motivo para tamanho alarde seria a baixa auto estima, que parece se tornar cada vez mais evidente na sociedade. Em busca de se sentirem superiores e melhores, as pessoas consomem cada vez mais. Mesmo nunca estando satisfeitas, elas compram e compram, tentando preencher um vazio que fica gradativa e paradoxalmente maior, pois a alegria da posse é efêmera. Objetos materiais, em lugar de apenas exercer sua mera função, passaram a servir como troféus para que indivíduos, independente de suas faixas etárias, possam se exibir às pessoas ao redor.  O privilégio deixou de ser unicamente apreciar a qualidade de determinada marca de roupas ou usufruir das diversas utilidades de um tablet. O privilégio tem se tornado diretamente proporcional à inveja que causa nos outros. Quanto maior a inveja causada, maior impressão, falsa, de uma auto estima crescente.

              A sociedade contemporânea se mostra tão preocupada com opinião alheia que acaba se esquecendo de aproveitar as coisas boas da vida, que por sinal são geralmente simples e gratuitas. A cândida e espontânea resposta de Lucas faz perceber que, independente de quantos brinquedos, roupas, sapatos, celulares se tenha, nada pode preencher o vazio causado pela falta de amor; nada pode ser melhor que viajar com os tios, brincar com primos, saborear o bolo da vovó, bater-papo com os amigos ou receber um abraço apertado de pai e mãe. Quando se aprenderá que o “ser” é mais importante do que o “ter”? A felicidade não advém de algo que se possa comprar, mas sim daquilo que, a partir das coisas mais simples da vida, se sente.

Marina Moro Gasparini, 3H3

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