Meia maratona

Publicado em 07/08/17

Oi, que bom ter você aqui de novo!

Desde o início do blog, eu sempre acreditei que o principal intuito de compartilhar meu ano de intercâmbio com você é te inspirar a sonhar mais alto, não somente no campo acadêmico, mas também em outros aspectos. Dito isso, e levando em conta o fato de que esse é o 21o post do ano, quero dividir com você hoje o sonho que eu realizei mais recentemente: correr uma meia maratona, o equivalente a 21 quilômetros.

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Já fazia alguns anos que eu nutria essa vontade, mas completar uma meia maratona não é algo que se alcance do dia para a noite: é preciso planejamento, tempo e muito treino. Fui postergando, “quem sabe depois dos 30?”, eu pensava. Até que começou 2017, e eu cumpri meu religioso ritual pessoal de me propor três desafios para o ano que acabava de se iniciar, e um deles era completar uma prova de 21 quilômetros de corrida. Uau. Eu ofegava só de pensar.

Sendo muito sincera, quando me fiz essa proposta, tenho que confessar que, em parte, esse desafio estava muito relacionado ao fato de que eu moraria um ano no país do fast food, e estava morrendo de medo de voltar redonda dos Estados Unidos. Mas outra parcela bem significativa advinha do fato de que eu sempre fui muito competitiva, e queria um objetivo esportivo para esse período de intercâmbio. Logo, uma meia maratona parecia cumprir perfeitamente esses dois objetivos.

Algumas semanas após minha chegada em Boston, procurei por uma prova de corrida na região da Nova Inglaterra que fosse ocorrer durante o verão, para que eu tivesse tempo suficiente para treinar. Escolhi a Old Port Half Marathon, que seria no dia 8 de julho em Portland, Maine, a duas horas de ônibus de Boston. Portanto, eu teria cerca de 4 meses para me preparar. Veja bem, eu nunca fui sedentária e sempre gostei de correr, mas apenas distâncias razoáveis como 5, 8, até 10 quilômetros. 21 me parecia um infinito – e esse gostinho de impossível só me estimulou mais.

Assim, comecei minha jornada de 4 meses de treinos rumo ao meu objetivo. Durante esse período, eu corria 3 vezes por semana e realizava musculação mais 3, sempre orientada por um grande amigo meu que também já fez intercâmbio em Harvard em 2015, ano no qual ele treinou e completou uma maratona INTEIRA, ou seja, 42 quilômetros.

O primeiro treino no começo de fevereiro: toda agasalhada

O primeiro treino no começo de fevereiro: toda agasalhada

Todo esse processo de 4 meses mostrou-se muito mais marcante do que a prova em si. Foram concomitantemente intrigantes e esclarecedoras as coisas que eu aprendi comigo mesma nesses meses de treinos. E acredito que o ponto mais importante que eu quero dividir com você é que o treino é muito mais mental do que físico, por mais louco que isso possa soar. Veja bem, eu acredito que qualquer pessoa aos seus 20 e poucos anos com um condicionamento físico razoável seja capaz de correr 21 quilômetros. O corpo é perfeitamente capaz, mas a mente não. A distância assusta, e o seu cérebro boicota seus músculos, fazendo-os acreditar que não conseguem ir adiante quando, na verdade, conseguem correr muito mais. Essa foi a minha principal lição: a mente desiste antes do corpo. E, quanto mais eu treinava, mais o meu corpo ensinava para a minha mente que eu era capaz daquela loucura, sim. Cada treino, cada superação me fazia mais feliz e confiante. E é óbvio que o preparo físico é essencial, mas meu ponto é que a parte psicológica é tão importante quanto.

Correndo mesmo com neve

Correndo mesmo com neve

Nas primeiras semanas de treinos, meu objetivo era simplesmente completar a prova, sem pensar no relógio. Contudo, conforme eu fui correndo distâncias cada vez mais longas fazendo cada vez menos esforço, eu tive certeza que completaria a prova, e comecei a sonhar mais alto: minha meta agora seria correr o percurso inteiro com uma velocidade média de 10km/h, cruzando a linha de chegada em pouco mais do que duas horas.

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Enfim, chegou o tão esperado dia 8 de julho. Não dormi praticamente nada na noite anterior, em parte devido ao nervosismo, mas majoritariamente porque o maravilhoso quarto onde eu fiquei hospedada tinha um colchão de ar furado, não tinha porta e os dois gatos da casa não saíam de lá por nada. Perrengues à parte, eu estava muito feliz.

Pontualmente às 7 horas da manhã, foi dado o tiro de largada, e eu comecei a correr com o coração saindo pela boca. Mas logo me acalmei: a energia e o apoio que as pessoas da pequena cidade de Portland transmitiam para os corredores era reconfortante. Cartazes com mensagens de incentivo, sinos, pessoas acenando… O nervosismo deu lugar à emoção, e eu tive que segurar o meu choro fácil logo no primeiro quilômetro.

Foi dada a largada!

Foi dada a largada!

A parte poética do percurso resumiu-se a esse comecinho, porque logo depois a situação ficou bem complicada. Os primeiros 7 quilômetros eram só, apenas, única e exclusivamente compostos por subidas. E nada daquelas subidinhas amigáveis às quais eu estava acostumada em Boston: eram ladeiras e mais ladeiras como as do Sumaré, bairro de São Paulo. Como se isso não fosse suficiente, contrariando a previsão do tempo, um sol estonteante e uma temperatura de 32 graus me acompanharam desde os primeiros metros, sem nenhuma sombrinha no meio do caminho. Aí sim, eu quis chorar de verdade, mas reprimi as lágrimas pela segunda vez no dia.

Do quilômetro 7 ao 15 eu consegui entrar em um ritmo bem agradável,  apreciar a paisagem e realmente sentir o prazer da corrida. Entretanto, mal sabia eu que essa paz interior estava com os metros contados: logo que começou o quilômetro 16, o caos instaurou-se. Faltavam apenas 5 quilômetros para o fim, então metade dos corredores começou a acelerar loucamente a fim de melhorar seu tempo, e outra metade começou a parar ou andar, seja por câimbras ou por exaustão. E eu nessa história toda? Perdi completamente a referência. Parar não era uma opção, mas eu também não podia acelerar, pois sabia que precisava guardar energia para as últimas ladeiras do trajeto. Eu precisava apenas manter a velocidade constante. Mas pense um pouco, você já tentou manter seu ritmo de corrida enquanto há pessoas muito mais rápidas e outras muito mais lentas do que você? Pois é, isso está longe de ser uma tarefa fácil. Esse esforço novo e imprevisto por uma caloura de meia maratona me desconcentrou completamente, e minha mente começou a tentar me boicotar e me fazer parar. “Onde eu estava com a cabeça quando me inscrevi para essa porcaria de corrida?” Desliguei a música que saía dos fones de ouvido, uma vez que não estava ajudando mais a me distrair, e comecei a repetir ininterruptamente dentro da minha cabeça: “Você não vai parar. Você não vai parar.”

Acredite se quiser, eu corri os últimos 5 quilômetros do percurso com essa única frase em mente. Tortura? Na percepção de alguns, talvez. Para mim, foi uma espécie de meditação à base de adrenalina. O importante é que… funcionou! Depois de 21 quilômetros, usei minha última gota de energia para cruzar a linha de chegada, pegar a medalha e encostar meu corpo na parede com sombra mais próxima. Nem sequer sentei, era esforço demais. Olhei para a tela do celular que monitorava minha corrida, marcando 21.1 quilômetros percorridos a exatamente 10.0 km/h. Eu tinha conseguido. Eu completara uma meia maratona. Uau! Uma onda de alegria inexplicável tomou conta de mim. Meus olhos queriam chorar desesperadamente pela terceira vez, mas parecia não haver água suficiente para tal.

Logo depois da linha de chegada

Logo depois da linha de chegada

Nesse exato momento, meu telefone tocou. Era uma ligação de vídeo da minha mãe. Desde o começo, ela considerara toda essa história um devaneio meu. Dizia que eu era muito frágil, que me machucaria, que eu não precisava disso: “Meia maratona é muito, só ¼ já está bom, filha!”. Apesar de tentar me demover da ideia, ela nunca deixou de me apoiar. E, na manhã desse 8 de julho, minha mãe acordou cedo e passou as mais de 2 horas da corrida me acompanhando pelo aplicativo da corrida até a linha de chegada. 2 horas vendo um pontinho se mexer sobre um mapa. Só mãe para fazer isso, não é mesmo? Pois bem, ela me ligou, com os olhos marejados e um sorriso lindo de orgulho. “Filha, você conseguiu!” Nesse momento, meu amigo, eu desabei, e as lágrimas que eu inibira a manhã inteira brotaram irrefreáveis. Um misto de satisfação com alegria com gratidão…todos os sentimentos bons do mundo pareciam explodir em mim ao mesmo tempo!

E digo mais: essa sensação vicia! Menos de 6 horas depois, eu já estava me inscrevendo para a próxima meia maratona. Será em outubro, e dessa vez quero completar em menos de 2 horas! Torça por mim!

E quer saber qual o mais legal de tudo isso? Acima de todos os benefícios físicos e psicológicos que eu proporcionei para mim, estão as coisas boas que eu pude apresentar para os outros. Nessa empreitada, eu estimulei vários amigos a correrem também. Alguns nunca haviam corrido na vida, e agora estão treinando e se inscrevendo para futuras provas. Para mim, isso é impagável.

Por fim, seja em posts sobre assuntos acadêmicos ou não, sinto que muitas vezes eu sou repetitiva e retorno para o mesmo ponto: você pode fazer absolutamente tudo que você desejar, basta planejamento e dedicação. Eu realmente acredito nisso, e te garanto: não há sentimento melhor do que o de missão cumprida.

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Até logo!

Carol Martines

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Carolina Martines estudou no Colégio Bandeirantes de 2006 até 2012. Em 2013, foi aprovada em primeiro lugar na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), mas optou por cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP). Depois de concluir os quatro primeiros anos da faculdade no Brasil, foi aprovada em um programa que a Faculdade de Medicina da USP tem com a Harvard University. Este programa seleciona estudantes que terão o privilégio de ser alunos de Harvard por um ano, trabalhando com pesquisa científica.

“Uma viagem de mil milhas começa com um único passo.” (Lao Tsé)

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