Complexo de vira-lata

Publicado em 25/10/15

Como eu já disse antes, meu intercâmbio se trata de um ano trabalhando em um laboratório em Harvard para termos um experiência mais aprofundada em pesquisa. Sendo assim, trabalho com muitos post docs e gente, em teoria, academicamente mais experiente que nós, alunos de graduação.

Quando eu conto para as pessoas, é comum ouvir “só tem gente muito boa trabalhando com você né?” ou “nossa, você consegue acompanhar?”. Essas duas frases exemplificam os dois assuntos sobre os quais eu quero escrever nesse post: o “complexo de vira-lata” do brasileiro e o fato de que, sim, até em Harvard tem gente não tão boa assim (eufemismo, por educação).

Como disse o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues, o brasileiro se coloca, muitas vezes, numa posição de inferioridade frente ao resto do mundo – e a isso deu o nome de “complexo de vira-lata”. A expressão foi criada depois que o Brasil perdeu a copa de 50 para o Uruguai em pleno Maracanã e, a partir de então, foi usada em outros contextos. Ou como disse Guga, o tenista, em seu livro: “no Brasil, de maneira geral, convivemos com o hábito de depreciar nossas habilidades e nossos valores”, contando que, uma vez número 1 do mundo, tinha certa dificuldade em acreditar no seu sucesso, em acreditar que ocupava mesmo aquela posição.

Como assim “você está acompanhando?”. Óbvio que eu estou, e muito bem, obrigada. A gente não é menos capaz que ninguém aqui. É como a Syl disse no último post, é necessário ser humilde, mas, ao mesmo tempo, a gente tem que “se achar” um pouco. A gente tem que confiar em nós mesmos e saber que, sim, somos tão capazes quanto sonhamos ser. A gente não só é capaz como, muitas vezes, se destaca aqui entre os americanos e outros estrangeiros.

O outro ponto acaba se confundindo um pouco com esse. Talvez seja até uma relação de causa e consequência. A gente, talvez um pouco pelo “complexo de vira-lata”, acaba achando que tudo no exterior é melhor, que em Harvard só tem gente muito boa. Mas não é assim não. Às vezes a gente até se pergunta “o que essa pessoa está fazendo aqui?”. Ai eu penso que Harvard é ótima, sim, palestras incríveis, aulas excelentes, alunos dedicados, mas, de uma forma ou de outra, é uma instituição como outra qualquer e, portanto, tem pessoas como outras quaisquer.

No meu laboratório, por exemplo, tem alguns que não entendem nem inglês direito. Só para exemplificar o nível do inglês (ou a falta de nível), vou contar uma história. Nosso mentor foi apresentar um palestrante para uma post doc do lab e disse “she already has 2 papers”, ao que ela respondeu “no, only one baby”. Ela confundiu “baby” com “paper” e nem ao menos se perguntou por que raios o palestrante iria querer saber quantos filhos ela tem.

A outra post doc nunca organiza os materiais antes de começar um experimento. Ai chega no meio e ela percebe que não tem o suficiente de X ou Y. Seria mais ou menos como começar a fazer um bolo sem checar se você tem farinha ou o número suficiente de ovos.

Óbvio que tem muita gente extremamente competente, que temos aulas incríveis, que, em vários aspectos, eles estão muito a frente do que nós. Mas não é por isso que a gente tem que se achar menos ou se iludir que por aqui tudo é perfeito.

Acho que como recado desse post ficam duas mensagens: se você vem ou pretende vir fazer um intercâmbio, espere encontrar problemas e coisas ruins, não se iluda que aqui tudo é perfeito. Mas, mais do que isso, acredite em você, não deixe ninguém te diminuir ou dizer que você não pode, que você é menos. Sonhar é preciso e, para realizar os sonhos, acreditar e confiar em nós mesmos é necessário.

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